O processo de globalização, que se expandiu extraordinariamente desde o fim da 2.ª Guerra Mundial, em 1945, é usualmente associado exclusivamente à abertura dos mercados. Blocos econômicos como o Mercosul e a União Europeia levaram a uma enorme expansão dos negócios – antes restrito ao mercado interno – para outros países, e economias emergentes. A expansão dos mercados veio também acompanhada de integração cultural e de esportes. O melhor testemunho disso é o futebol, em que os padrões técnicos são elevados e aproximadamente iguais em todos os países como, se viu na Copa do Mundo na Rússia. Outra área em que isso ocorreu é a do trafego aéreo, em que aeroportos e procedimentos técnicos sãos universais.
Houve, contudo, outros períodos da História em que globalização econômica era vista com grande desconfiança e a emergência de nacionalismos exacerbados levou às duas guerras mundiais do século 20. Antes disso, no século 19, a globalização significava impérios coloniais, como o britânico, que dominou metade do mundo.
A área científica, contudo, tem se mantido praticamente imune a esses problemas. O conhecimento científico é universal por natureza e adquiri-lo não depende de fronteiras, de acordos comerciais ou de proteção de patentes. As leis da física são as mesmas para todos os países. O conhecimento científico, dificilmente pode ser controlado e em geral circula livremente, mesmo em períodos em que as tendências antiglobalização são fortes.
Todavia há exceções: o antissemitismo de Hitler era tão extremado que assim que assumiu o poder, em 1933, decidiu expulsar os cientistas judeus das universidades alemãs. Foi-lhe ponderado que isso poderia atrasar o desenvolvimento da ciência alemã, ao que Hitler retrucou que preferia que a ciência na Alemanha se atrasasse alguns anos por essas perdas a aceitar a “ciência judaica”, de que Einstein era o principal expoente, e que os cientistas alemães recuperariam o atraso após alguns anos.
Não foi isso que aconteceu. O esforço de guerra dos Aliados, que se opunham à Alemanha, beneficiou extraordinariamente cientistas judeus asilados, como o próprio Einstein e muitos outros, o que permitiu o desenvolvimento até das armas nucleares antes que os alemães o fizessem.
Houve áreas em que isso não se verificou, como a de foguetes, em que os alemães mantiveram a liderança. Mas na de energia nuclear foi o contrário, apesar de contar com cientistas excepcionais, como Heisenberg.
Outro exemplo é o de Lysenko, geneticista que convenceu Stalin de que as ideias obsoletas de Lamarck eram corretas e com isso atrasou os avanços da genética na União Soviética durante décadas. Isso só foi possível pelo isolamento do país por questões políticas, o que manteve os cientistas russos fora dos avanços correntes da genética nos países ocidentais.
O presidente Trump tem adotado uma linha semelhante à seguida por Hitler ao limitar fortemente a entrada nos Estados Unidos de cidadãos de países islâmicos, alegando razões de segurança nacional.
Não só defensores dos direitos civis se opuseram a essas medidas, como também várias importantes indústrias do Vale do Silício que recrutam cientistas desses países. Trump argumentou – como Hitler – que esses cientistas estavam tirando empregos de técnicos americanos e que o país poderia passar sem eles. O futuro dirá quão danosa é essa política para os Estados Unidos, como foi para a Alemanha nazista.
A “internacionalização” da pesquisa científica é hoje aceita como uma política benéfica por todos e o exemplo do Estado de São Paulo nessa área é significativo: o número de artigos científicos publicados por cientistas paulistas em colaboração com cientistas de outros países tem crescido rapidamente, graças principalmente ao apoio Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). A mesma tendência ocorre em outros países, como na Espanha e até nos Estados Unidos, apesar da enorme capacidade científica do país.
A globalização na área científica é muito superior à globalização econômica, que passa por “soluços” e descontinuidades, como agora, em razão das políticas econômicas adotadas por Trump.
Revistas como Science, nos Estados Unidos, e Nature, na Inglaterra, são realmente universais e estabelecem o padrão de qualidade utilizado pelas demais revistas em todos os países. O que acontece com publicações científicas não se repete em áreas tecnológicas, em que a propriedade intelectual é protegida por patentes, um obstáculo que países em desenvolvimento têm de superar
Converter o conhecimento científico em tecnologias, máquinas e outros produtos pode dar origem a limitações à sua disseminação. De modo geral, os países da Europa e os Estados Unidos tiveram grande sucesso em fazê-lo no passado, o que deu origem às grandes empresas multinacionais que comercializam esses mesmos produtos nos países em desenvolvimento.
Tecnologia é um ingrediente muito importante da globalização porque o comércio internacional depende da produção de bens e serviços que envolvem tecnologias em que propriedade intelectual e patentes precisam ser negociadas. Por essas razões na área tecnológica não ocorreu a globalização que se viu em outras áreas. Ela permaneceu firmemente nas mãos dos países onde foi desenvolvida.
Por exemplo, são poucos os países capazes de construir aviões comerciais porque as tecnologias envolvidas estão nas mãos de empresas multinacionais, como a Boeing, nos Estados Unidos, a Airbus, na Europa, e similares na Rússia.
É por esse motivo que o fato de a Embraer ter conseguido quebrar esse monopólio e construir aviões de qualidade fala bem do nível de desenvolvimento científico e tecnológico do Brasil, beneficiando-se, é claro, da cooperação internacional.
*José Goldemberg é ex-Reitor da Universidade de São Paulo