Vereadores aumentam salários discretamente em cidades pequenas
Aos 57 anos, Marcio Bittar é um político em ascensão no Congresso. Chegou ao Senado há apenas 20 meses, pelo MDB do Acre, e já é relator de alguns dos mais disputados projetos da temporada legislativa. Entre eles, está o programa de renda básica que Jair Bolsonaro sonha levar embaixo do braço para os palanques da reeleição.
Bittar foi comunista de carteirinha, no PCB, e estudante na extinta União Soviética. Girou a chave na vida de pecuarista no noroeste do Acre, região recordista em incêndios, desmatamentos e conflagrada pelo narcotráfico na fronteira com Peru e Bolívia. Tornou-se um expoente da bancada ruralista, onde há gente que quase enfarta quando ouve a palavra “Ibama”, e um conservador em cruzada contra a liberação do aborto.
Tenta negociar solução para uma antiga equação, insolúvel aos olhos de muitos comunistas e conservadores: reduzir os gastos públicos e, ao mesmo tempo, criar um mecanismo de transferência de renda aos pobres.
Ninguém é contra, todos são a favor do combate à corrupção, da luz elétrica e da água encanada. Mas sobra ceticismo no Congresso e no governo. Não é conspiração, somente apatia diante da paisagem do abismo social. Ela é hipnótica em regiões como Sena Madureira e Feijó, vizinhas acreanas, onde Bittar trocou a retórica comunista pelos votos ruralistas.
São 60 mil pessoas cercadas por bois, em comunidades equidistantes da mata incendiada para novos pastos. Metade sobrevive com meio salário mínimo por mês. Só 10% têm acesso a água potável e esgotos. Na semana passada, o Diário Oficial de Feijó, reduto eleitoral do senador Bittar, anunciou aumento de até 30% no salário dos vereadores. Passaram a ganhar R$ 7 mil mensais mais mordomias. Repetiram o que estão vendo ocorrer na maioria das câmaras dos municípios com até 50 mil habitantes, ou seja, 88% das cidades. Discretamente, vereadores estão resolvendo a equação da renda básica no pós-pandemia. Só para eles.