Presidente usa os índios num jogo institucional de alto risco
Jair Bolsonaro resolveu flertar com a possibilidade um choque com o Supremo e o Congresso. Simultaneamente. Insiste em testar os limites institucionais usando, como instrumento, a desmontagem do sistema jurídico de proteção aos direitos da população indígena.
É sua terceira tentativa, em 11 meses, de reescrever na prática o trecho da Constituição que reconhece aos índios “organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam”.
No primeiro dia de governo, Bolsonaro transferiu ao Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos a gestão dos direitos indígenas. Repassou a Funai e a demarcação de terras para a Agricultura. Fez isso numa Medida Provisória (nº 870).
Em maio, o Congresso vetou as mudanças. Devolveu a demarcação à Funai e recolocou-a na Justiça, onde estava. Bolsonaro não aceitou. Refez tudo numa outra MP (nº 886).
O caso foi parar no Supremo que ratificou, unânime, a decisão legislativa. No plenário, o ministro Celso de Mello usou três adjetivos para qualificar a insistência do presidente: “Inaceitável, inadmissível e perigosa.”
Obstinado, Bolsonaro agora baniu os índios do sistema de planejamento (Siop) e dos orçamentos da União até 2023. Mandou ao Congresso proposta de orçamento para 2020 com corte de 40% no fundo da Funai para “proteção e promoção dos indígenas” (LOA 2019/Programa 2065).
Deixou o Plano Plurianual de governo (2020-2023) sem previsão para a área. E transferiu a gestão dos direitos dos índios, assim como parte do orçamento da Funai, para o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, embora a fundação continue vinculada à Justiça.
Bolsonaro já foi garimpeiro amador. Por “excessiva ambição financeira”, registrou seu comandante, transgrediu normas do Exército em busca de ouro. Hoje, usa os índios num jogo institucional de alto risco. Conta com aplausos da ala mais extremista do lobby ruralista. É um grupo sectário e inepto, incapaz de reunir votos suficientes no Congresso para mudar a Constituição.