Ministro Milton Ribeiro deve saber separar melhor igreja e Estado; oremos
A religião de um ministro não deveria importar para sua avaliação. A partir do momento, contudo, em que a religião é um dos critérios pelos quais foi escolhido, ela se torna relevante, para o bem ou para o mal.
Ainda em novembro de 2018, a equipe do presidente eleito Jair Bolsonaro sondava Mozart Neves Ramos, na época diretor do Instituto Ayrton Senna, para o Ministério da Educação.
Assim que a informação veio a público, contudo, gerou reação imediata da bancada da Bíblia, que vetou o nome. Bolsonaro acatou. Depois de um ano e meio perdidos, Bolsonaro finalmente nomeia um ministro da Educação evangélico.
O Estado laico é daquelas conquistas sociais que, quanto mais de perto examinamos, mais fica difícil de definir. Afinal de contas, o que difere um valor “religioso” de um valor “laico”? Todos nós partimos de certos pressupostos normativos —os fins que desejamos para nós e para a sociedade— que não têm embasamento racional.
Quando deixamos as sutilezas filosóficas de lado, contudo, e olhamos para o todo, é um avanço inestimável de nossa civilização ter não só separado a autoridade religiosa da autoridade secular (separação que, pode-se dizer, está já na origem do cristianismo) como também ter desobrigado esta de qualquer tipo de subordinação àquela.
Desde então, todas as religiões e igrejas têm a liberdade de existir, sem qualquer favorecimento ou obstáculo do Estado, desde que respeitem a lei.
Isso exigiu de todos, e especialmente de autoridades religiosas, o reconhecimento de que a pluralidade de visões de mundo, bem como a necessidade da convivência pacífica, exigem que se trate visões discordantes com respeito.
A Igreja Católica, hoje em dia —assim como os principais ramos das igrejas protestantes históricas (como a Igreja Presbiteriana, do ministro Milton Ribeiro)—, convive em paz e relativa harmonia com o Estado laico.
Foi uma guerra de séculos para que o aceitassem.
A convivência de diferentes perspectivas só pode funcionar se reconhecemos uma esfera de conhecimento e ação comum, na qual conflitos possam ser resolvidos por um critério anterior a qualquer fé específica: nossa razão (também ela falível e, portanto, sempre aberta ao contraditório). Assim, é possível avaliar um ministro por critérios técnicos que independem da fé.
Até a saída de Weintraub, o discurso do governo era de que não existe excelência técnica: existe apenas a guerra de narrativas, ideologias e fés.
Os grandes problemas da educação brasileira não eram a má gestão, a falta de recursos, o despreparo e desamparo de professores, a indicação política dos cargos de diretores de escolas, e sim a ideologia ensinada por professores comunistas em sala de aula. Ateísmo, socialismo, sexo.
Em vídeo em que prega a sua congregação, o pastor Milton Ribeiro aterroriza os fieis com o espectro da revolução sexual; as universidades estariam, sob a inspiração do existencialismo, ensinando aos jovens (“os nossos filhos”) o sexo sem limites. (Como egresso da Faculdade de Filosofia, lamento ter passado batido por essa matéria.) A fala não o abona.
Ao mesmo tempo, contudo, tem um doutorado (real) em educação. É cedo para dizer que também fará um ministério ideológico. Como bom presbiteriano, apesar do conservadorismo, deve saber separar melhor igreja e Estado. Talvez seja o equilíbrio possível dentro deste governo. Oremos.
*Joel Pinheiro da Fonseca, economista, mestre em filosofia pela USP.