Que o governo honre compromissos de preservação
Convencionou-se chamar de serviço ambiental a regulação do clima, a oferta natural de água, a manutenção da fertilidade dos solos, a polinização das culturas etc.
Segundo o economista Bernardo Strassburg, diretor do Instituto Internacional para a Sustentabilidade e professor da PUC-Rio, graças aos serviços ambientais, a floresta amazônica vale mais se ficar em pé do que se for derrubada para dar espaço à agricultura ou à pecuária.
Alheios a isso, os empresários do agronegócio fazem tudo para que o governo flexibilize o licenciamento e afrouxe a fiscalização do Ibama, o que seria ruinoso tanto do ponto de vista ambiental como do econômico.
Pelos cálculos de Strassburg, cada hectare desmatado para a pecuária, na Amazônia, renderia no máximo R$ 100 por ano. Para o plantio de soja, a renda seria de R$ 500 a R$ 1.000 por ano. Em comparação, um hectare de floresta em pé presta serviços ambientais avaliados em R$ 3.500 por ano. No cerrado, isso chega a R$ 2.300 por ano.
Assinale-se que nesses cálculos não foi incluída a rentabilidade do turismo ecológico, tampouco a do extrativismo, isto é, do aproveitamento de matérias-primas extraídas da floresta, para uso no artesanato e na indústria farmacêutica.
Em latitudes equatoriais, os ventos empurram para o continente as nuvens formadas pela evaporação de águas do oceano Atlântico –e as chuvas provocadas pela condensação dessas nuvens caem sobre a floresta amazônica.
Calcula-se que há mais de 600 milhões de árvores na Amazônia e, de acordo com o Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), cada árvore pode absorver do solo, em média, 3 hectolitros de água por dia. Parte dessa água volta à atmosfera por evapotranspiração.
Forma-se então sobre a floresta um volumoso caudal, que, encontrando anteparo na cordilheira dos Andes, desvia-se para as regiões centro-oeste, centro-sul e sul. É o chamado “rio voador”, que alimenta o ciclo hidrológico responsável pelas chuvas e pela regulação do clima na maior parte do país.
Por conseguinte, se o governo não for capaz de conter o desmatamento da Amazônia, sobrevirão longas estações secas, com funestas consequências para a agricultura.
Segundo o climatologista Carlos Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o processo de recomposição natural da floresta é desequilibrado sob a sinergia negativa entre a agricultura e a pecuária, de um lado, e o ecossistema, do outro. Caso seja desmatada uma área superior a 25%, a floresta original se transformará em savana.
A parte brasileira da floresta amazônica tem pouco mais de 3 milhões de km2. Entre 1991 e 2000, a área desmatada para a agricultura, a pecuária e a extração de madeiras cresceu de 415 mil para 587 mil km2.
De 2000 até 2017 desmataram-se, por ano, em média, 3.000 km2. Nesse ritmo, falta pouco para que o ecossistema amazônico passe de floresta tropical a savana e, depois, a deserto.
Os sucessivos governos mostram-se incapazes de conter esse descalabro, por motivos que vão da incompetência e corrupção de agentes públicos até a cupidez e –por que não dizer?– e a ação corruptora de alguns conhecidos empresários da agricultura, da pecuária e da indústria madeireira.
Pelo Acordo de Paris, de 2015, o Brasil comprometeu-se a recuperar 120 mil km2 da floresta amazônica até 2030. Espera-se que o novo governo honre esse compromisso, acabe com a corrupção e seja capaz de evitar que a Amazônia se transforme numa savana.
*Joaquim Francisco de Carvalho é doutor em energia pela USP, professor aposentado, ex-presidente do IBDF (Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal) e ex-chefe do setor industrial do Ministério do Planejamento