Difícil atrair apoios numa negociação a ser feita em cima do que já foi decidido
A carta do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, na qual ele faz um apelo à união das candidaturas de centro para deter a “marcha da insensatez”, parece ter vindo tarde demais. Faltam apenas 15 dias para o primeiro turno da eleição. Uma virada agora, se não impossível, parece pouco provável quando se leva em conta o resultado das pesquisas sobre intenção de voto. Mesmo que as pesquisas sirvam apenas como parâmetro para as campanhas, pois quem decide eleição é o eleitor, suas projeções de resultados são feitas em bases científicas. Não dá para desconhecer que a situação do centro é ruim.
Levando-se em conta a liderança que tem, o poder de convencimento de sua famosa lábia e a defesa que faz da democracia, é de se lamentar que Fernando Henrique tenha demorado para levantar essa bandeira. Desde antes de junho, quando foi lançado o manifesto “Por um polo democrático e reformista”, todo mundo já tinha uma ideia de que poderia haver uma polarização da eleição pelos extremos.
Se errou ao demorar a fazer o apelo pela união do centro, Fernando Henrique errou também ao sugerir, pelo Twitter, que a liderança do processo seja entregue a Geraldo Alckmin, que é de seu partido. Isso fez com que logo a candidata da Rede, Marina Silva, respondesse a ele pela mesma rede social: “Ninguém chama para tirar as medidas com a roupa pronta.” Ciro Gomes, do PDT, que como Fernando Henrique foi ministro da Fazenda de Itamar Franco, está em melhor situação do que Geraldo Alckmin nas pesquisas sobre intenção de voto. Se fosse pelo critério de melhor posição, poderia ser ele o escolhido. Nesses casos, é preciso trabalhar com a realidade do momento, diz o pragmatismo político.
A necessidade de se conter a “marcha da insensatez” à qual Fernando Henrique se refere foi reforçada ontem por um manifesto de intelectuais do PSDB. Eles também defenderam a formação de uma força-tarefa para tornar Geraldo Alckmin competitivo. O que passa a ideia de que, tudo bem, deve-se fazer a união do centro, mas a força hegemônica é o PSDB. Difícil atrair apoios assim, em que a negociação se dará em cima de algo que já está decidido.
Pelo jeito, o País afunilará ainda mais a divisão que começou a se mostrar mais forte na eleição de 2014, quando Dilma Rousseff, do PT, obteve 51,64% dos votos no segundo turno e venceu Aécio Neves, do PSDB, que ficou com 48,36%. Levando-se em conta que as pesquisas costumam trabalhar com margem de erro de 2%, esse resultado poderia ser considerado um empate técnico.
A diferença agora é que uma parcela grande da população passou a ver no deputado Jair Bolsonaro (PSL) a encarnação do anti-PT, aquele que, na visão dela, pode livrar o País das invasões de terras do MST, das ocupações de terrenos pelos sem-teto e da política de defesa dos direitos humanos, que, no discurso do candidato, serviria para proteger bandidos (algo sem sentido, pois direitos humanos não têm viés ideológico, não servem para proteger bandidos, mas a sociedade dos desmandos do Estado e de esquadrões e milícias que surgem à sombra da omissão de suas instituições, além de não terem nada a ver com a política do PT, e, sim, com os avanços civilizatórios).
De outro lado está o PT e sua estratégia bem-sucedida da afirmar que foi tirado do poder por um golpe, de esconder que se envolveu até o pescoço em escândalos de corrupção que muitos acreditam ser o maior já revelado em qualquer lugar do planeta, e de afirmar e reafirmar que há uma perseguição a seu líder, Lula, hoje na cadeia e impedido de concorrer a qualquer cargo eletivo pela Lei da Ficha Limpa.