Atrapalhar o segundo turno da reforma da Previdência é um erro
Senado e Câmara correm o risco de pôr a perder, senão toda ela, pelo menos uma parte da boa imagem que construíram neste ano. Logo depois da posse, em fevereiro, muita gente olhou para a composição das duas Casas – esse repórter também –, e não teve dúvidas em dizer que era o pior Congresso desde o fim da ditadura militar.
Recuperados da surpresa da exclusão da mesa farta do Palácio do Planalto e da perda do poder de mando sobre a Esplanada dos Ministérios e estatais, como Petrobrás, Banco do Brasil, Caixa, BNDES e Correios, para citar alguns dos alvos mais desejados, deputados e senadores se recolheram. Foram pensar no que fazer diante da dura realidade que lhes impunha o presidente Jair Bolsonaro ao lhes negar as tetas do governo.
Entenderam que o melhor jeito de enfrentar tal situação sem que morressem por inanição era fazer valer a voz e a vontade do Congresso.
Deixariam de ser um apêndice do Executivo, como nos governos anteriores, e cuidariam de uma pauta própria. Logo assumiram para si a agenda positiva do governo, traduzida primeiramente na reforma da Previdência. Decretos e outras iniciativas do presidente da República começaram a ser derrubados, a exemplo do decreto que aumentava o número de agentes públicos autorizados a dizer o que era documento secreto ou ultrassecreto e do que flexibilizava a posse de armas, substituído por um projeto de lei.
Por achar que manter o Coaf no Ministério da Justiça fortaleceria demais o ministro Sérgio Moro e o aparelho de controle financeiro, fiscal e de investigação, o Congresso mudou a medida provisória que reduziu ministérios e fundiu outros. Sem que o governo nada pudesse fazer, o Coaf foi devolvido ao Ministério da Economia (posteriormente o presidente Jair Bolsonaro o transferiu para o Banco Central).
Tudo o que os deputados consideraram que era alheio ao tema Previdência, e que constava do projeto de reforma enviado pelo governo, foi arrancado ainda na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. E a reforma da Previdência andou. Rápida, segura. Era o Congresso dizendo à sociedade que assumia ali a agenda positiva para o País. Era o Congresso dizendo que, apesar das aparências, estava disposto a desmentir os que o consideravam o pior da História recente.
Vale insistir, toda essa imagem boa, porém, pode desaparecer. Ao condicionar a votação do segundo turno da reforma da Previdência à distribuição do dinheiro do leilão do pré-sal, marcado para novembro, o Senado reduz o seu papel, recua anos ao passado e se expõe aos que acusam os congressistas de chantagem. A reforma da Previdência deve ser vista como um projeto de País, importante para a redução do déficit fiscal e para a manutenção do próprio sistema de aposentadorias. Pode-se discordar do conteúdo, mas não há um único partido que não diga que a reforma previdenciária não é importante.
Fala-se muito entre os senadores que eles estão descontentes com o governo porque nada do que vem de promessa lá das bandas do Palácio do Planalto é cumprido. Ou que muitos se sentem traídos pela forma individualista como tem atuado o presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP). Dificultar a votação do segundo turno da reforma da Previdência seria uma forma de retaliar o governo e o presidente do Senado. É um erro. A reforma é do País, não do presidente Bolsonaro ou de Alcolumbre. Se querem retaliá-los, existem outros projetos que dizem muito mais respeito aos dois do que à sociedade. Não é preciso ir longe. A indicação do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) para a Embaixada do Brasil em Washington é muito mais um desejo do pai, o presidente, que a negociou com Alcolumbre, do que uma necessidade do País.