Os que olham o Brasil com desconfiança não deixam de ter razão
A crise política começou a afetar a economia, disso parece não haver mais dúvidas. O que é um péssimo cenário para um país que mal saiu de uma recessão profunda, teve uma recuperação bastante pífia, com crescimento de 1,1% em dois anos seguidos, e agora se vê na possibilidade de ter um PIB negativo no primeiro trimestre deste ano e traz de volta o medo da recessão. Nesse mundo de incertezas, o dólar foi lá para cima, passou dos R$ 4. Há riscos de aumento da inflação. Sem falar na dubiedade do presidente Jair Bolsonaro quanto ao controle de preços dos combustíveis.
E tem a crise do emprego, com 13,4 milhões de desempregados na recente medição feita pelo IBGE, já em relação ao primeiro trimestre deste ano. Portanto, já no governo de Jair Bolsonaro, ante 12,1 milhões de desempregados no trimestre passado.
Pior, e esse é um dado preocupante, por causa de seu ineditismo e da impossibilidade de quaisquer tipos de previsão, é que muitas das crises políticas têm sido criadas pelo próprio governo e seu entorno. Além de ser alimentada pela falta de construção de uma base de sustentação no Congresso, o que todo governo necessita ter se não quiser sangrar até não ter mais jeito.
O resultado disso tudo é que o mundo passa a ver o Brasil com outro tipo de olhar, com dúvidas sobre a capacidade que o governo terá de aprovar projetos de grande importância, como a reforma da Previdência, o plano de privatizações, a reforma tributária.
Esses que olham o Brasil com desconfiança não deixam de ter razão. Como é que o presidente da República não consegue defender a medida provisória editada no primeiro dia de seu governo, a medida que lhe deu uma identidade própria, reordenou a Esplanada dos Ministérios, reduziu o número de ministérios de 29 para 22, criou o Ministério da Economia?
A medida provisória perde a validade no dia 3 de junho. Há riscos sérios de não ser votada. Se não for, caduca e seus efeitos legais desaparecem. Se isso acontecer, o governo voltará a ter a cara do governo de Michel Temer. Será um vexame sem tamanho, pois a identidade do governo de Bolsonaro, que foi bem aceita, corre o risco de desaparecer.
Bolsonaro continua a se recusar a criar uma base de apoio no Congresso sob o argumento de que não fará negociações políticas, não loteará seu governo, não cederá à pressão de partidos. Do outro lado, ao perceber que o governo está fraco, que a popularidade do presidente cai, o Congresso não cede e vai para o enfrentamento. A crise só aumenta.
Efeitos colaterais da crise política e do nó que não desata nas relações entre o Executivo e o Legislativo começam a aparecer. O ministro da Economia, Paulo Guedes, o grande fiador do governo de Bolsonaro no mercado, vê-se obrigado a deixar suas funções para ir ao Congresso mendigar a aprovação de um crédito suplementar que assegure ao governo o pagamento no segundo semestre das aposentadorias, dos benefícios de prestação continuada (BPC), do Bolsa Família e até das verbas para cobrir prejuízos causados por desastres naturais. E sem a certeza de que será atendido, porque o que não faltam entre deputados e senadores são questionamentos sobre o tamanho do crédito pedido. Se tiver de suspender o pagamento de um desses benefícios passará a sensação de incompetência de gestão.
Questionado sobre a situação atual, Bolsonaro tem culpado os governos anteriores. O presidente não deve se esquecer, porém, de que é ele quem está no comando, que as contas serão cobradas de seu governo. Terceirizar a culpa não resolverá nada em termos concretos. O único que pode acertar os passos dele é ele mesmo.