Atrair partidos só pela força das urnas parece sonho distante
O presidente Jair Bolsonaro atribuiu a ordem de prisão preventiva do ex-presidente Michel Temer às práticas da “velha política”, na qual, segundo ele, “a governabilidade vem em troca de cargos, ministérios e estatais”. Já o Ministério Público acusou Temer de liderar uma organização criminosa que atuava “há praticamente” 40 anos.
Há uma discrepância entre o que disse Bolsonaro, segundo o qual a prisão de Temer foi ocasionada pelo “toma lá, dá cá”, o que de fato garantiu ao ex-presidente uma grande base parlamentar no Congresso, e a acusação do Ministério Público.
Na conclusão de Bolsonaro, as ações de Temer foram políticas, usadas para montar a governabilidade. Acabou indo para a cadeia. Por isso, o atual presidente disse que, apesar das pressões, vai resistir aos acordos baseados na nomeação de afilhados políticos para cargos, ministérios e estatais. Presume-se que, a partir desses acordos, cometem-se crimes. E Temer, o ex-ministro Moreira Franco e vários outros foram presos preventivamente pelo juiz federal Marcelo Bretas, do Rio, por causa desses acordos que levam a crimes.
O Ministério Público afirmou que Temer lidera uma quadrilha há praticamente 40 anos. Fazendo-se as contas, e voltando as quatro décadas, chegamos a 1979, já transcorridos 15 anos da ditadura militar, ano em que o general Ernesto Geisel entregava o poder para o general João Figueiredo. Naquele ano, segundo o MP, Temer começava a liderar a quadrilha. É de se perguntar: o que fizeram o MP e a Polícia Federal que não perceberam que um chefe de quadrilha foi nomeado procurador-geral de São Paulo em 1983, depois se candidatou a deputado federal e foi por três vezes presidente da Câmara, líder e presidente do então PMDB por anos, vice-presidente da República por dois mandatos e presidente com o impeachment de Dilma Rousseff? Afinal, Temer é acusado de cometer crime de ação continuada.
Considerando-se ainda que Temer chefia uma quadrilha há aproximadamente 40 anos, e de tão esperto nunca foi pego, é de se duvidar que ele chamasse os presidentes de partidos, se identificasse como um capo e propusesse a todos que, uma vez no governo, garantida a governabilidade, dividissem o butim.
Quando Bolsonaro diz que a montagem da governabilidade baseada num sistema de distribuição de cargos a partidos pode resultar em roubalheira, ele não deixa de ter razão. Mas não necessariamente. É possível fazer a boa política com acordos partidários.
Façamos um exercício com o governo de Bolsonaro, que precisa muito montar uma base de apoio no Congresso e não quer dar chances ao azar. Ele poderia chamar os dirigentes partidários, um a um, propor o acordo, dizer que as coisas mudaram e que não aceita acusados de malfeitos (na equipe de Bolsonaro há suspeitos de uso de candidatos laranjas e desvio de dinheiro do Fundo Partidário, mas deixa pra lá). E que, como tem o chefe da Abin, o general Augusto Heleno, como principal conselheiro, como tem a PF sob o comando do ministro Sérgio Moro (Justiça e Segurança Pública), será informado de tudo o que acontece no governo. Um desvio sequer, rua. Se ele agir assim, provavelmente acumulará capital político.
A ideia de atrair os partidos para o governo, levá-los a aprovar a reforma da Previdência, só pela força das urnas, sem oferecer nada em troca, parece um sonho distante. A agenda conservadora de Bolsonaro virou motivo de piada entre alguns dirigentes. Os projetos da área econômica poderiam encantá-los. Mas o governo consegue se meter em tanta confusão, com ministros falando barbaridades, a exemplo de Onyx Lorenzoni (Casa Civil) sobre o banho de sangue de Pinochet, no Chile, ou filhos que palpitam sobre tudo, que os partidos não negam que sentem um certo desconforto com a situação.