Estado democrático de direito foi testado inúmeras vezes. Continuará a sê-lo. Resistirá?
Ao longo de seus 30 anos, completados ontem, a Constituição brasileira e seus valores democráticos foram testados um sem-número de vezes. Dos quatro presidentes da República eleitos pelo voto popular de 1989 para cá, dois – Fernando Collor de Mello e Dilma Rousseff – responderam a processo de impeachment e tiveram os mandatos cassados. O então líder do governo Dilma, Delcídio Amaral, foi preso no exercício do mandato, por suspeita de obstrução aos trabalhos da Justiça. O ex-presidente Lula, o mais popular líder vivo do País, está preso por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Uma legião de seguidores tentou impedir que a ordem de prisão fosse cumprida.
Do lado oposto, o deputado Jair Bolsonaro (PSL) sofria em Juiz de Fora (MG) um atentado à faca que o tirou fisicamente da campanha. A Polícia Federal foi acionada, iniciou suas investigações, tirou suas conclusões, indiciou o autor do atentado, Adelio Bispo, na Lei de Segurança Nacional, uma lei remanescente da ditadura militar, e a vida seguiu seu curso. Apesar das crises, o estado democrático de direito não sofreu abalos significativos.
O próximo presidente da República, é praticamente certo, será ou Jair Bolsonaro ou Fernando Haddad (PT). Vença quem vencer, a Constituição continuará a ser testada. Ambos já manifestaram o desejo de substituí-la. Ou, no mínimo, de emendá-la com mais força do que as atuais 105 emendas (99 emendas normais e seis de revisão, prevista pela própria Carta para quando fizesse cinco anos). O vice de Bolsonaro, general Hamilton Mourão, defende a ideia de que uma comissão de notáveis faça uma nova Constituição, em substituição à atual. O programa de governo do PT fala na convocação de uma Constituinte que teria como finalidade “restabelecer o equilíbrio entre os Poderes da República e assegurar a retomada do desenvolvimento, a garantia de direitos e as transformações necessárias ao País”. Cobrado por Ciro Gomes (PDT), no debate da TV Record, Fernando Haddad respondeu que a ideia é “modernizar o texto, deixá-lo mais enxuto e refazer o sistema tributário que penaliza gravemente os mais pobres, além de reafirmar os direitos estabelecidos pela atual Constituição”.
Se é para reafirmar os direitos da Constituição de 1988, por que não deixá-los lá, como estão? Por si só se reafirmam. O PT costuma defender a ideia de convocação de uma Constituinte, às vezes exclusiva para fazer a reforma política, às vezes exclusiva para outra coisa. É quase que uma ideia fixa. Como é uma ideia fixa dos petistas a criação de um controle social da mídia, tentado desde o primeiro governo de Lula, sem êxito. Em outras palavras, censura prévia ao conteúdo do noticiário jornalístico, o que é vedado pela Constituição.
Do lado de Bolsonaro, além da Constituição a ser feita por notáveis, mais enxuta, menor e mais atual, conforme as palavras do general Mourão, vislumbra-se um cenário estranho pela frente, caso ele vença a eleição. O deputado do PSL já disse que reduzirá o número de ministérios e que, em vez de os entregar para aliados políticos, chamará generais para ocupá-los.
Imagine-se a seguinte situação: um ministro general de determinada área necessita que o Congresso aprove uma lei para que ele possa tomar tal e tal iniciativa. O Congresso rejeita a lei. O que esse ministro fará? Não se sentirá tentado a uma medida mais forte para coagir o Congresso a fazer o que ele quer? Ou, então, imagine-se que o governo, como um todo, espera que o Supremo Tribunal Federal (STF) decida contrário a uma dessas inúmeras ações que provocam rombos bilionários ao Tesouro e a Corte faça o contrário. O que Bolsonaro e seus generais vão fazer em relação ao STF? Vão deixar tudo por isso mesmo? Esse é o cenário que se vislumbra.