De forma involuntária, Bolsonaro pode ter feito um bem para a política
O presidente Jair Bolsonaro pode ter feito um bem muito grande ao Congresso quando optou por montar um Ministério livre das amarras das negociações partidárias que marcaram o presidencialismo de coalizão nas últimas décadas. Tal decisão, que parece ter nascido de um pagamento de promessa de Bolsonaro, segundo a qual não lotearia seu governo, e de uma ação politicamente egoísta, no estilo “eu ganhei a eleição, o governo é meu e não vou dividi-lo”, mexeu com os brios partidários.
Também fez o Congresso reagir a uma situação à qual estava acostumado e já havia se rendido, a de ser uma espécie de apêndice do Poder Executivo, carimbador de medidas provisórias editadas pelo presidente da República, alienado de suas próprias tarefas e, por consequência, preguiçoso. Em muitas situações, mas muitas mesmo, deputados e senadores preferiram negociar com o Palácio do Planalto uma medida provisória, que se transforma em lei assim que é editada, a apresentar um projeto de lei, esperar sua longa e cansativa tramitação, batalhar por ele no plenário e ainda correr o risco de sofrer uma derrota. Com a MP, basta fazer uma emenda contentando um determinado setor que a situação está resolvida. De forma rápida e prática.
Do governo de Fernando Henrique Cardoso (1998/2002) para cá, deputados e senadores transformaram-se numa espécie de despachantes de luxo de governadores, prefeitos, corporações e empresas em ministérios entregues aos partidos, portanto feudos próprios onde mandaram e desmandaram.
Assim, de forma involuntária, Bolsonaro deu um sacolejão no Congresso, nos partidos e na própria política. Os que lutaram para abocanhar um pedaço da Esplanada dos Ministérios ouviram seguidos nãos. Deixaram o gabinete presidencial com raiva e com um certo desejo de vingança. Aos poucos perceberam que, ou tomavam uma atitude, ou teriam a população contra eles, visto que as redes sociais, estimuladas pelo presidente e seu círculo mais íntimo, não paravam de atacá-los, a ponto de transformá-los no alvo das manifestações pró-governo do domingo passado.
O resultado dessa política adotada por Bolsonaro, de distanciamento do Congresso, é que hoje o que se ouve em qualquer roda parlamentar é que a saída para a Câmara e o Senado é se mostrar presente, ter uma agenda própria, assumir pautas que sejam importantes para o País, como a da reforma da Previdência e a reforma tributária. E que é preciso ganhar protagonismo com iniciativas positivas, que mostrem o Congresso trabalhando. Não é possível sobreviver sendo apenas o patinho feio da política, como costumam dizer.
Nesse sentido, o projeto alternativo de reforma da Previdência apresentado pelo PL (novo nome do PR, que substituiu o antigo PL e agora retoma a sigla original, mas sempre sob influência do ex-deputado Valdemar Costa Neto) é o retrato mais fiel da reação que o Congresso decidiu ter. E também uma forma que o Centrão, integrado, entre outros, pelo PL, encontrou para dizer ao governo que continua vivo e atuante, apesar dos desgastes que tem sofrido.
O projeto do governo para a reforma da Previdência prevê economia superior a R$ 1,2 trilhão em dez anos; o do PL, economia de R$ 600 bilhões no mesmo período, 50% a menos do que a equipe econômica previu. Pretende ser muito menos austero do que o do governo. Faz a reforma da Previdência, mas não mexe em aposentadorias especiais de professores nem na idade mínima para o trabalhador rural. Também não reduz as pensões pagas aos carentes, o chamado Benefício de Prestação Continuada (BPC). Permanece, portanto, dentro de uma agenda positiva dupla: busca o equilíbrio das contas do governo e preserva direitos de eleitores, principalmente dos mais pobres.