Tente encontrar um autor de monstruosidade que tenha sofrido consequências
Vida curta, umas 72 horas, a do escândalo de testes da pandemia entulhados em Guarulhos. O retorno das contaminações em massa deve-se, em parte, à baixíssima aplicação pública de testes. À falta de explicação, Bolsonaro recorreu à condição de farsante profissional e mentiu que “todo o material foi enviado aos estados e municípios”. Mas não faltaram crimes contra a saúde pública e de administração perdulária.
Sete milhões de testes PCR seguiam para o fim da validade em janeiro, sem se saber o número dos já perdidos, enquanto o Conselho Nacional de Secretários de Saúde repetia, em ocasiões sucessivas, o alerta ao Ministério da Saúde para a falta de kits do PCR, o mais eficiente, em vários estados. Os comunicados do CNSS derrubam outra mentira, esta do ministério, segundo a qual a distribuição dos kits dependia da requisição para estados e municípios.
A realização dos testes em massa, para identificação dos que contaminam sem se saberem doentes, é tida pelos cientistas como meio determinante para a contenção do número de vítimas e do descontrole de focos. Impedimentos anormais a esse procedimento têm autores que devem ser identificados em inquéritos e submetidos a processo.
Jogaram com vidas e mortes de pais, mães, filhos, com o futuro de famílias em número de precisão impossível, mas pressentido pelo senso comum.
Aqui, a impunidade está assegurada. E protegida pelo esquecimento fácil e rápido. Não à toa, o general-ministro Eduardo Pazuello diz que, se sair do Ministério da Saúde, estará feliz.
Nós também.
É a mesma certeza de impunidade que permite aos Bolsonaro, mais do que desconsiderar os interesses do país, agir contra eles. O ataque do deputado Eduardo Bolsonaro e do Itamaraty à China é um caso típico. Por trás desse e de outros ataques recentes, está o negócio imenso que é a adoção do novo e fantástico sistema de comunicação, chamado 5G.
Os Bolsonaro agem em favor do sistema americano, atrasado na tecnologia e no tempo em comparação com o chinês.
O interesse real do Brasil só pode ser o de possuir o melhor sistema, sendo essa inovação tecnológica vista como capaz de mudar a hierarquia atual dos países, a depender do sistema em uso e da capacidade de explorar seus recursos.
Escolhê-lo com segurança exige estudos rigorosos e uma concorrência perfeita na soberania brasileira, na seriedade e na transparência. Bolsonaro, porém, já avisou: “Quem vai escolher sou eu. Sem palpite aí”. Afinal de contas, ou a iniciá-las, esse negócio não é uma usual rachadinha, é um rachadão.
A derrota de Trump lançou reflexos sombrios no assunto. A menos que haja como apressar alguma providência jurídica que amarre ou, no mínimo, encaminhe a decisão para o sistema americano, cria-se um problema para os propósitos de Bolsonaro. Fazer negócio com os Estados Unidos de Biden não será o mesmo que concretizá-lo com o país de Trump. Daí ser fácil deduzir que Eduardo Bolsonaro não fez aos chineses um ataque extemporâneo, que lhe deu na telha quebrada. Ao acusar a China de fazer do seu sistema um dispositivo de espionagem, precipitou sobre o 5G chinês um conceito corrosivo. E aproximou a escolha.
Manobra essa que agride o interesse do Brasil em preservar relações estáveis com a China, maior parceiro comercial e destino de um terço das exportações brasileiras, com tendência a aumento.
Para retaliar aos ataques constantes, à China bastaria cortar uma parte, uns 10% ou 15%, das importações. Criaria terremotos econômicos por aqui. E os produtores americanos estariam prontos, como estão ansiosos, para aumentar seu fornecimento dos mesmos produtos à China.
Eduardo Bolsonaro deveria ser submetido, no mínimo, a afastamento da Comissão de Relações Exteriores da Câmara e a processo disciplinar. Fica impune.
Como os que, no atual governo, agem contra os interesses do Brasil e as necessidades dos brasileiros.
Pense em qualquer dos autores e envolvidos nas monstruosidades do governo Bolsonaro, incluídas as do próprio, e tente encontrar, entre eles, um que tenha sofrido as consequências devidas.
É o governo das impunidades.