1. A política a ser implementada no tocante ao papel do Estado incorpora em boa medida a compreensão de que os setores industriais privados têm de receber incentivos por parte do capital público. Uma vez atingida a fase do chamado Capitalismo Monopolista de Estado — e isso, a rigor, já vem se verificando desde a Primeira Guerra Mundial —, é impossível imaginar um retorno puro e simples à livre concorrência e ao predomínio das chamadas forças do mercado. São os limites do liberalismo econômico, em que pesem seus grandes méritos políticos, ao afirmar o espaço relativo ao individuo frente aos poderes do Estado. Vale dizer, há setores da atividade econômica que não são lucrativos e outros que exigem investimentos que ultrapassam a capacidade operacional do setor privado. E Estado moderno algum pode prescindir do planejamento público. Deixar de recorrer ao financiamento público é simplesmente impraticável para a sobrevivência da própria esfera privada. A esmagadora maioria dos investidores e empresários tem plena consciência dessa questão. Qualquer política de retomada do desenvolvimento ou saída da crise tem que ter total clareza quanto a isso.
2. Da mesma forma que nem toda ditadura é sinônimo de fascismo (apesar de todo fascismo ser uma ditadura), nem toda militarização se apresenta sob a cobertura de uma ditadura militar. Precisamos entender esse fato novo na política nacional.
3. A presença dos militares nesse início de governo Bolsonaro — oito dos 22 ministérios são ocupados por eles, salvo engano — é completamente desproporcional ao peso numérico das Forças Armadas na vida brasileira: são menos de meio milhão de homens fardados para cerca de 210 milhões de civis. A partir dai já podemos falar em militarização do governo, de consequências imprevisíveis para a sociedade, independentemente da qualidade dos quadros militares que integram a administração central.
4. Está em marcha uma espécie de Integralismo de caserna que tem por características principais o desprezo pela atuação parlamentar, a valorização da chamada moral tradicional, o nacionalismo estreito e o autoritarismo.
5. Não há a menor possibilidade de a oposição ter outro posicionamento que não seja propositivo. A era do slogan — que vende ilusão, simplesmente — esbarra no muro da realidade. O que de fato importa é a defesa intransigente da democracia, do mundo do trabalho e da cultura. E essa defesa passa seguramente pela reforma do Estado. Resta saber se a oposição compreenderá isso também.
6. O discurso populista pode ser bloqueado por uma política econômica antipovo. O discurso moralista, abafado pelo comportamento de alguns membros destacados do governo nas redes sociais. O discurso anticorrupção, derrotado pelas próprias práticas de corrupção. Nessa quadra, o inimigo principal do governo pode perfeitamente ser ele mesmo, caso não haja uma mudança substantiva de rumos.
7. O fato de o conservadorismo extremado ter um peso considerável na atual administração só reforça a necessidade de uma Frente Ampla reunindo o Campo Democrático em defesa dos valores da Civilização contra a Barbárie. Que fique bem claro que ditadura nenhuma é de esquerda e regime democrático nenhum é de direita. Essa é, cada vez mais, a nosso juízo, a linha divisória na sociedade brasileira de hoje. A democracia é o norte, sempre.
*Ivan Alves Filho é jornalista, historiador e autor de mais de uma dezena de livros, entre eles Memorial de Palmares e O caminho do alferes Tiradentes.