O ano de 1922 foi central para o entendimento do Brasil. Nele tivemos a Semana de Arte Moderna, o surgimento das reivindicações feministas, o início do que se convencionaria denominar por Tenentismo e, ainda, a criação da Seção Brasileira da Internacional Comunista. Um ano de cortar o fôlego.
Provavelmente, o centenário da Independência obrigou o país a se repensar. O Partido Comunista surgia como uma agremiação ao mesmo tempo nacional, isto é, buscando o
enraizamento no país, e internacional, na esteira dos acontecimentos que sacudiam a Rússia em 1917.
O enraizamento interno tinha que ver com sua condição de partido da classe trabalhadora. Mas,rapidamente, já no final dos anos vinte, o Partido percebia que não poderia praticar uma política de class e contra classe. O Brasil se diversificava, apresentando uma conformação social mais sofisticada e complexa. Ao lado da classe operária e do campesinato despontava uma nova camada, composta pelos setores médios. Eis o que abria a via para o diálogo com intelectuais e militares, por exemplo. Astrojildo Pereira foi o grande artífice dessa primeira grande mudança. Outras viriam, tão profundas quanto essa.
Após atravessar a repressão do Estado Novo de Vargas e as vicissitudes da chamada Guerra Fria, os comunistas do PCB mudam novamente, acrescentando a seu ideário a questão democrática. Isso se deu com a Declaração de Março de 58. Não por acaso, seu principal redator seria Armênio Guedes, o dirigente mais próximo de Astrojildo. Foi com esse espírito que o PCB evitou o esfacelamento por ocasião da ditadura militar. Apostando na aliança com os liberais e na luta de massas, o Partido apontou o caminho, jogando suas fichas na derrota e não na derrubada do regime. A História daria razão ao PCB.
Surgido no bojo das batalhas travadas pela Rússia Soviética, o PCB passaria por nova transformação após o esgotamento do chamado socialismo real. Sabendo tirar as lições do fim da União Soviética e do processo iniciado em 1917, os comunistas brasileiros mudam o nome do partido e abandonaram seu símbolo, a foice e martelo. Mudaram o partido e não de Partido. Nascia o PPS em 1992. Ou seja, souberam preservar suas partes vivas, a saber a ética, a democracia e a noção de justiça social. Essa a maior herança do comunismo brasileiro. Mais do que qualquer outro partido, o PCB organizou o mundo do trabalho, lutou pela cultura nacional e integrou o bom combate pela democracia. Esse o seu grande legado.
Hoje, mais uma mudança. Surge em cena o Cidadania 23. Em tempos de profundas mudanças no aparato produtivo e no modo de vida das pessoas, o PPS estabeleceria vínculos com os movimentos surgidos nas ruas, em 2013. Muitos eram de corte liberal. O Partido entendeu que o liberalismo era uma conquista do processo civilizatório, afirmando o papel do indivíduo perante o Estado. Eis o que não entrava em contradição com os direitos sociais que os comunistas sempre defenderam.
Terminei, precisamente hoje, um novo livro: A saída pela Democracia. Em um dos seus últimos parágrafos escrevo o que se segue: Penso que um denominador comum possível seja a cidadania. Seu vínculo com o mundo do trabalho pode ser feito por intermédio da Constituição. Sua ligação com cada um de nós, individualmente falando,pode ser realizada por meio das lutas identitárias, incluindo aí a cultura como pertencimento. Seu elo com as liberdades pode se dar pela defesa dos direitos de ir e vir das pessoas. A cidadania pode ser o grande fator estruturante da participação popular pelas mudanças. Ela perpassa o sistema de classes; como conquista do processo civilizatório não é monopólio de classe alguma. É um patrimônio de todos.
Ivan Alves Filho é historiador.