Crise do coronavírus vira palco de reação coordenada após presidente ir a ato contra os Poderes
A decisão de Jair Bolsonaro de juntar-se a manifestantes que pediam o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal gerou uma reação coordenada por parte dos Poderes sob ataque.
A pedido do presidente do Supremo, Dias Toffoli, e do ministro Luiz Fux, os presidentes Rodrigo Maia (Câmara, DEM-RJ) e Davi Alcolumbre (Senado, DEM-AP) receberam nesta segunda (16) o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, para discutir medidas acerca da pandemia do novo coronavírus.
No domingo (15), Bolsonaro surpreendeu ao surgir na praça dos Três Poderes e, descumprindo ordens sanitárias já que estava em isolamento por ter tido contato com infectados em sua viagem aos EUA, confraternizou-se com integrantes do ato. Ao longo do dia, fez postagens de apoio ao protesto.
Ele foi criticado por políticos e infectologistas, dado que neste momento a recomendação oficial é a de evitar aglomerações e contato físico, e só respondeu dizendo que poderia fazer o que bem entendesse, negando estar a atacar outros Poderes.
O ato deu um novo sentido à já aguda crise política, que residia centrada na disputa entre Executivo e Legislativo pelo manejo de R$ 30 bilhões do Orçamento.
Agora, o papel moderador que o Judiciário vinha exercendo, exceto nos episódios em que Bolsonaro foi admoestado pelo decano Celso de Mello, mudou.
No Palácio do Planalto, a informação recebida é de que não haverá mais a tolerância tácita que marcava a presidência Dias Toffoli, que buscava o papel de esteio institucional em tempos de extrema crispação entre os Poderes.
Toffoli transitava bem no governo por meio de sua ligação com o general Fernando Azevedo, ministro da Defesa e seu ex-assessor especial.
Crises foram mediadas e o ministro deu decisões polêmicas favorecendo, por exemplo, o senador Flávio Bolsonaro (RJ), primogênito do presidente e investigado entre outras coisas por ligação com milicianos.
Os militares, que na tríade principal do governo têm Azevedo, Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) e Walter Braga Netto (Casa Civil), têm mantido silêncio sobre a escalada da crise.
Nesta segunda, os três generais que serviram juntos sob o comando de Azevedo se reuniram, mas oficialmente para falar sobre o temor do espaçamento da pandemia na fronteira entre Venezuela e Roraima.
A presença de Fux no encontro desta segunda é indicação de continuidade, dado que pelo rodízio do STF o ministro assumirá o lugar de Toffoli. Também de unidade, dado que os dois togados não comungam exatamente das mesmas linhas de pensamento na corte.
Inicialmente, a ideia não é forçar mais o conflito —isso caberia a Bolsonaro, que mesmo nesta segunda voltou a falar de forma desafiadora a Maia, que até aqui foi o fiador do único grande sucesso legislativo do governo, a reforma da Previdência.
O presidente disse abertamente que estava sendo isolado, alvo de um golpe, de que há rumores de impeachment no ar. Nas redes sociais, seus filhos Eduardo (deputado por SP) e Carlos (vereador pelo PSC carioca) ativamente denunciaram uma suposta campanha contra seu pai.
Rodrigo Maia prefere seguir a linha propositiva, como fez ao convocar seus pares para aprovar quaisquer ações emergenciais em relação ao coronavírus.
Medidas econômicas terão ambiente para prosperar, desde que com o selo do Congresso —deixando o protagonismo desejado por Paulo Guedes (Economia) na lateral.
Maia não quer ser visto como um Eduardo Cunha, o então deputado emedebista que presidia a Câmara e patrocinou pautas-bombas fiscais contra Dilma Rousseff (PT) no ano que antecedeu o impeachment da presidente.
Por outro lado, deu seu recado na semana passada ao deixar passar um acréscimo de R$ 20 bilhões no Orçamento com o Benefício de Prestação Continuada, uma clássica pauta-bomba.
A crise sanitária tornou-se o palco da aceleração do isolamento de Bolsonaro, que crescentemente fala em tons messiânicos, supondo um apoio popular unânime a seu projeto que não é aferido em pesquisas de opinião.
Além do mau exemplo do domingo, Bolsonaro tem insistido em que o coronavírus não é tão perigoso quanto parece, ignorando aspectos epidemiológicos que não têm a ver com a taxa de letalidade do patógeno.
O presidente tentou interferir diretamente no trabalho de Mandetta, que foi deputado pelo DEM-MS. Na semana passada, ele ficou contrariado com a ida programada do ministro para São Paulo, onde se encontraria com o governador João Doria (PSDB) e seu time.
Para Bolsonaro, isso cacifaria o tucano, agora um rival aberto visando a disputa presidencial de 2022. Mandetta alegou que não poderia deixar de coordenar esforços com o estado mais populoso e que concentra o maior número de infectados pelo coronavírus. E viajou a São Paulo, sob protestos.
O governador, que chamou o presidente de ausente na crise e foi dos primeiros a criticá-lo pelo ato de domingo, não poupa elogios a Mandetta e ao Congresso, numa sinalização vista por aliados e adversários como a de posicionamento de batalha.
Nesta terça, um ex-aliado de Bolsonaro cooptado por Doria, o deputado Alexandre Frota (PSDB-SP), irá protocolar um pedido de impeachment do presidente. Ninguém levará muito a sério, mas o instrumento ficará à disposição de Maia, para análise eventual.