Acossado, presidente contava com a previsível volta do petista ao páreo; até Moro sai ganhando
O espantalho predileto do eleitorado conservador do Brasil, ao menos aquele que levou Jair Bolsonaro à Presidência em 2018, está de volta ao campo da política: Luiz Inácio Lula da Silva.
A decisão que devolveu ao líder petista seus direitos políticos, salvo alguma decisão adversa, era esperada por aliados de Bolsonaro desde que o desmonte da Operação Lava Jato foi consumado ao longo de seus dois anos de mandato.
A desmoralização da operação, primeiro a partir de revelações constrangedoras de conversas entre seus integrantes e segundo, pela ação institucional da ala garantista do Supremo Tribunal Federal em conjunto com a Procuradoria-Geral da República e o Palácio do Planalto, fez tornar a volta de Lula ao páreo óbvia.
Não se trata de análise de mérito jurídico, e sim de lógica política. O petista na urna eletrônica do ano que vem é o sonho de consumo de um Bolsonaro que acumula más notícias devido a seu manejo da pandemia da Covid-19.
Acossado sob acusações que chegam a de promover um genocídio, enfrentando um levante de governadores com apoio ainda ensaiado no Congresso, o presidente irá se fiar no velho e bom antipetismo que o ajudou ao chegar ao Planalto.
Há uma lenda política segundo a qual Lula seria imbatível em 2018, e que a Lava Jato trabalhou para retirá-lo da eleição. Se a segunda parte pode ser verdade, a primeira é absolutamente discutível.
Toda a análise de intenção de voto estratificada daquele ano mostra que o apoio a Bolsonaro estava bastante espraiado, e se misturava em parte com o espírito antipolítico ensejado pelos anos de revelações de corrupção por parte da Lava Jato.
E não parece ser o caso de esquecer que a política a ser rejeitada naquele momento tinha identificação imediata com quem ocupara o poder federal por longos 13 anos, até o impeachment de 2016.
Mesmo o governo Temer, à exceção do expurgo de petistas, contava com a mesma base de apoio de Lula e Dilma Rousseff.
O pleito municipal de 2020, ainda que não seja um farol objetivo para 2022, sinalizou um movimento importante: o refluxo da antipolítica, mas não do antipetismo. Os resultados pífios do partido de Lula e de outras siglas de esquerda falam por si.
Isso não tira, claro, o potencial de Lula, o mais popular presidente da história recente do Brasil e ator inescapável de qualquer avaliação séria sobre a realidade política. Mas seu peso, especialmente após deixar a condição de mártir do Lula Livre na cadeia, decaiu bastante em termos relativos.
Não se viu dele nenhum movimento efetivo que não fosse o de guardar a cadeira de candidato da esquerda em 2022, contando, para ficar na máxima de Romero Jucá, “com o Supremo, com tudo”. Inclusive Bolsonaro.
Se o cálculo do presidente está certo, é algo que pouco mais de um ano e meio até a eleição vai dizer. Mas ele faz todo sentido: Lula coloca Bolsonaro numa posição confortável de polo oposto. O mercado, que andou aborrecido com as cores verdadeiras mostradas pelo presidente após apoiá-lo, já tremeu de novo.
Choro e ranger de dentes sobram para a centro-direita, que busca ser chamada de centro enquanto não encontra um candidato natural para 2022. Ele seria o governador paulista, João Doria (PSDB), que tem o trunfo da Coronavac e do combate à pandemia para apresentar.
Mas nem o tucanato, nem seus aliados, têm mostrado disposição de entregar o bastão ao paulista neste momento. Alimentam-se assim nomes alternativos sem densidade, como Eduardo Leite (PSDB-RS) e o sempre presidenciável apresentador Luciano Huck (sem partido).
Ciro Gomes (PDT) continua em sua marcha de terceira via que nunca passa do terceiro lugar, e Marina Silva (Rede) evaporou, como costuma ocorrer entre os pleitos presidenciais desde 2010.
Todo esse pelotão terá um trabalho hercúleo para se posicionar caso Lula de fato esteja na disputa com Bolsonaro. O benefício da dúvida é para um nome que vinha sendo considerado fora do jogo, o do ex-ministro Sergio Moro.
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Símbolo da Lava Jato, o ex-juiz foi poupado de um vexame previsível, o de ver ser considerado suspeito em suas condenações de Lula. A decisão de Fachin, lava-jatista na origem, acabou com o objeto do julgamento para o qual Gilmar Mendes preparava um auto-de-fé de Moro.
Assim, talvez com algum tempo, possa lustrar sua imagem. Se for candidato, roubaria votos de Bolsonaro, gerando a curiosa situação na qual poderia ajudar Lula na eleição.
Contra todas essas especulações, o óbvio: no Brasil, realidades políticas mudam tanto quanto jurisprudências.
Será interessante ver a reação da cúpula militar, escaldada pelo detalhamento do episódio em que o então comandante do Exércio Eduardo Villas Bôas pressionou o Supremo a não conceder habeas corpus para evitar a prisão de Lula, em 2018.
Se há dois anos Bolsonaro estaria a esbravejar contra Fachin, hoje terá algo a celebrar com a vitória de seu opositor preferido.