Igor Gielow / Folha de S. Paulo
O presidente Jair Bolsonaro (PL) lançou oficialmente sua campanha à reeleição com um discurso no qual desenhou um embate direto com Luiz Inácio Lula da Silva (PT) baseado em critérios emocionais. Vazia e messiânica, a fala foi uma versão resumida de todos os temas caros ao bolsonarismo nesses pouco mais de quatro anos no poder.
Foi um lançamento ilegal também, mas até aí qualquer presidente sentado na cadeira está em campanha permanente. Vejamos como agirá o Tribunal Superior Eleitoral, bastante eficaz ao admoestar atrações de festivais de música pop, mas ao fim será ao máximo uma multa de trânsito de uma corrida na penúltima volta.
Olhando a forma, o palco do evento de filiação do PL, ou algo assim, era uma espécie de consolidação do Bolsonaro pós-apoplexia golpista de 2021.
Estavam lá elementos clássicos da safra 2018, como o militarismo de pijama (general Augusto Heleno), o indefectível deputado Hélio Lopes, o oportunismo do ministro-astronauta, o clima de culto na fala da primeira-dama, o sentido de clã na presença do filho Flávio.
Mas brilhavam mesmo os adereços do modelo 2022: a fina flor do centrão, Valdemar Costa Neto à frente com Fernando Collor —espera-se que o presidente não seja supersticioso.
No conteúdo, uma amarração depurada das paranoias do bolsonarismo, mas com um tom distintamente comedido. O ataque a Lula, seu adversário ideal para o segundo turno (os petistas pensam o mesmo com sinal inverso), foi feito como a culminação de uma daquelas jornadas do herói esmiuçadas por Joseph Campbell.
Em resumo, Bolsonaro se mostra como um predestinado (ele chegou perto de dizer que foi Deus que o mandou se candidatar), cuja vida deixou de pertencer a si mesmo, que enfrentou a morte e foi salvo por um milagre no atentado de 2018 e que agora enfrenta tudo e todos em nome de um futuro melhor.
“Não é uma luta entre esquerda e direita. É entre o bem e o mal”, disse, inferindo a plateia de que lado o “mito”, aspas compulsórias, está.
Discutir políticas públicas, preço dos combustíveis, pastores do MEC, obras que sejam, nada disso está no cardápio de forma assertiva. Politicamente, é o melhor caminho para o presidente, dado que política é emoção. O que importa é demonizar o adversário, uma atualização do que o próprio Lula fez no poder, quando berrava o “nós contra eles” —eles sendo a tal elite que tanto se deu bem em suas gestões.
Houve espaço para Bolsonaro repetir suas ideias obscuras sobre democracia e liberdade, usualmente associadas a armar a população. O Judiciário de Alexandre de Moraes foi devidamente criticado, sem nomes colocados, e uma sugestão incompreensível de “muito lá na frente” entregar o poder “com transparência” foi feita.
Entenda-se o que quiser aqui, dada a dissonância cognitiva usual do raciocínio presidencial, mas o desejo no coração do bolsonarismo sempre foi o de perpetuação tribal. Nenhuma novidade, portanto.
O interessante da fala vazia de sentido é que ela requenta temas de 2018 como se o governo do PT não tivesse acabado em 2016, sob as ruínas econômica e política de Dilma Rousseff. É nesse antipetismo mais gutural que o presidente se agarra, e a relativa melhoria de sua avaliação e sua intenção de voto na classe média mostram que é uma tática com eficácia.
Se será suficiente para sobreviver à turbulência de um ano em que se fala até em guerra nuclear, é incerto, mas pode o ser para garantir o segundo turno dos sonhos de Lula e Bolsonaro.
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/03/bolsonaro-mira-disputa-com-lula-em-discurso-vazio-e-messianico.shtml