Fenômenos como Jair Bolsonaro são só manifestação paroxística dessa enfermidade coletiva
“Quando as coisas vão voltar ao normal?” é a pergunta que não quer calar. A palavra “normal” é traiçoeira, já que encerra tanto uma dimensão moral, designando algo nas proximidades de “aceitável”, como uma mais estatística, quando assume o significado de “corriqueiro”. Se nos centrarmos na segunda acepção, a resposta é: “acabamos de voltar”.
Doenças não apenas são uma constante na história da humanidade como também constituem uma das principais forças a modular a evolução das espécies. Elas estão por trás de algumas das mais dramáticas transformações da vida no planeta, como o advento da reprodução sexuada.
Se há uma parcial exceção a essa regra são as últimas sete ou oito décadas, quando uma feliz conjunção de desdobramentos da ciência —a difusão do tratamento de água e esgoto, das vacinas e de agentes antimicrobianos— fez com que os países desenvolvidos experimentassem a sensação de que as doenças infecciosas haviam sido derrotadas.
Com efeito, conseguimos extinguir a varíola e, nas nações mais avançadas, praticamente zerar as mortes por pólio, sarampo, raiva, arboviroses e helmintíases. Países em desenvolvimento iam na mesma trilha.
Essas poucas décadas de sucesso nos deixaram mal acostumados. Perdemos a sensação de angústia que as doenças infecciosas produziam em nossas mentes. Esquecemos que, oito décadas atrás —a geração de meus pais—, ainda se morria por causa de um corte bobo que infeccionasse e as diarreias faziam com que enterrar bebês fosse coisa absolutamente normal.
Paradoxalmente, essa dessensibilização para a gravidade das infecções nos leva a atitudes que ficam entre as suicidas, como deixar de vacinar as crianças, e as temerárias, como não investir em vigilância epidemiológica e no desenvolvimento de novas classes de antibióticos. Fenômenos como Jair Bolsonaro são só uma manifestação paroxística dessa enfermidade coletiva.