Temos a tendência de reagir exageradamente a crises que evoquem ameaça existencial
Leio com doses iguais de interesse e ceticismo as opiniões de filósofos, cientistas políticos e economistas sobre as grandes mudanças sociais que a pandemia deixará como herança. É claro que algumas coisas vão mudar. Como dizia Heráclito, nunca tomamos banho duas vezes no mesmo rio. Mas receio que previsões feitas no olho do furacão carreguem uma probabilidade ainda maior do que o normal de dar com os burros n’água.
Humanos temos a tendência de reagir de forma exagerada a crises que evoquem algum tipo de ameaça existencial. E temos bons motivos para isso. Todos os que caminhamos hoje sobre a Terra somos descendentes diretos daqueles que não brincavam com o perigo, ainda que eventualmente tenham pagado mico por correr da própria sombra. Nossos parentes mais relaxados não deixaram progênie.
Aqui temos de tomar cuidado para não misturar as estações. O fato de termos uma propensão inata ao superdimensionamento não implica necessariamente que haja histeria com a Covid-19, como sugere o presidente. É preciso separar nossos impulsos valorativos daquilo que efetivamente sabemos sobre a doença, que é pouco.
As estimativas para os parâmetros epidemiológicos do vírus variam enormemente. Podemos estar tanto diante de um cenário em que a Covid-19 se mostrará de três a quatro vezes pior do que uma gripe sazonal até algo mais próximo da gripe espanhola. Realmente, não se sabe ainda.
O que já dá para descartar é que estejamos lidando com uma peste negra, que ceifou 1/3 da população da Europa e da Ásia no século 14. Essa, sim, foi uma epidemia que deixou marcas profundas e duradouras na sociedade. Outros surtos produziram efeitos reais, mas bem mais sutis.
A imagem que me vem à cabeça é a dos motoristas apressados. Depois que veem um acidente grave na estrada, costumam respeitar os limites de velocidade, mas o bom comportamento só dura alguns quilômetros.
Hélio Schwartsman é jornalista, foi editor de Opinião. É autor de “Pensando Bem…”.