Se a covid-19 causar grande estrago, poderemos ver chineses se rebelando contra o sistema
Não há nada mais vexatório para certa vertente de ideólogos do liberalismo do que o caso chinês. Durante décadas eles disseram que sociedades capitalistas avançadas teriam necessariamente de ser abertas e democráticas. Mas a China está se tornando uma nação avançada sem dar sinais de que caminha para a democracia.
A covid-19 oferece aos ideólogos liberais uma esperança de provar que tinham razão. Para esses teóricos, havia dois argumentos principais para defender a vinculação entre desenvolvimento e democracia liberal. O primeiro dizia respeito às inovações.
Um regime tirânico não teria dificuldade para crescer enquanto se limita a utilizar tecnologias geradas em outros países. Mas a manutenção da prosperidade por períodos maiores dependeria de um fluxo constante de inovações, que é inibido quando as pessoas não podem trocar informações livremente.
Haveria, portanto, uma incompatibilidade intrínseca entre ditadura e crescimento duradouro.
Não foi, porém, o que vimos. A China vai se tornando uma potência educacional e científica mesmo com rígida censura.
O outro canal pelo qual a democracia se insinuaria é o avanço social. Quanto mais rica fica uma nação, mais exigente se torna a sua população. Para os liberais, o surgimento de uma grande classe média chinesa criaria uma irresistível pressão por abertura política.
É aí que os ideólogos liberais ainda podem ter um trunfo. Os chineses ainda não pararam para cobrar seus líderes porque estão satisfeitos com os resultados econômicos. Se a covid-19 não produzir mais do que uma ferida econômica, o “statu quo” deve seguir inalterado. Mas, se ela causar um estrago maior, poderemos ver os chineses se rebelando contra o sistema. Vale lembrar que o regime chinês, que extrai sua legitimidade do crescimento, ainda não experimentou nada parecido com uma recessão desde que aderiu ao capitalismo no final dos anos 70.