Um cenário epidemiológico mais assustador pode afetar a magnitude da epidemia
Quanta gente vai morrer na pandemia de Covid-19? A pergunta é, por ora, irrespondível, embora não faltem modelos epidemiológicos que tentam oferecer às autoridades sanitárias uma base minimamente racional para a tomada de decisões.
Os cenários traçados nessas simulações vão desde os verdadeiramente lúgubres, que preveem, na pior hipótese, 40,6 milhões de óbitos globais (Imperial College), aos mais róseos, nos quais menos de um de cada mil infectados fica doente o bastante para precisar de tratamento médico (Oxford).
Como é possível tanta discrepância? Modelos são tão bons quanto seus pressupostos e os parâmetros com os quais você os alimenta. E a triste verdade é que ainda sabemos muito pouco sobre o Sars-Cov-2. Um número tão fundamental como a proporção de assintomáticos para cada paciente sintomático ainda não foi bem estabelecido. É ele que pode nos dar um vislumbre de quão longe estamos do fim da pandemia, na ausência de uma vacina.
Também estamos supondo que pessoas que tenham sido infectadas e se recuperado se tornem pelo menos transitoriamente imunes ao vírus. É uma boa aposta, considerando o comportamento da grande maioria dos vírus e os dados até aqui coletados, mas não estamos 100% seguros de que isso seja verdade. Se não for, todos os modelos ruem. Os que estamos usando são do tipo SIR e, não havendo imunidade, teriam de ser do tipo SIS. O cenário ficaria mais tenebroso também.
Apesar dessas limitações, modelos epidemiológicos têm uma peculiaridade que os torna nossa melhor defesa contra a epidemia. Uma previsão climática pessimista não altera o tamanho da tempestade, mas um cenário epidemiológico mais assustador muda o comportamento do público e de autoridades, o que afeta a magnitude da epidemia. Assim, paradoxalmente, podemos dizer que um modelo é bem-sucedido quando faz com que todos atuem para falsear as suas piores previsões.
Hélio Schwartsman é jornalista, foi editor de Opinião. É autor de “Pensando Bem…”.