Seria útil se as “big techs” aperfeiçoassem seus mecanismos de busca
Agiu bem o STF em não reconhecer o direito ao esquecimento. Fazê-lo implicaria restringir perigosamente direitos fundamentais, como a liberdade de expressão e de informação. Em termos mais concretos, para dar eficácia ao direito ao esquecimento precisaríamos criar mecanismos que impediriam um sujeito de ir aos arquivos de um jornal e conferir o que foi notícia no passado. Não tem como funcionar.
Daí não decorre que o esquecimento não seja, tanto quanto a memória, um ingrediente importante para o bom funcionamento da sociedade e do próprio cérebro humano.
A razão pela qual humanos não temos uma memória perfeita não é de bioengenharia. Existe uma síndrome rara, a hipertimesia, que faz com que seus portadores se lembrem de praticamente tudo –algo próximo ao que Jorge Luis Borges descreveu no conto “Funes, o Memorioso”.
E, como Borges já intuíra, uma memória perfeita tem como efeito colateral severas limitações ao pensamento. O personagem Funes era incapaz de abstrações, de compreender que o símbolo genérico “cachorro” abarcasse todos os diferentes cães dos quais ele se lembrava perfeitamente. Os cientistas cognitivos Steven Sloman e Philip Fernbach sustentam que nossos cérebros foram projetados para não guardar detalhes justamente para maximizar a capacidade de fazer generalizações.
A vida social também depende de esquecimentos, que às vezes chamamos de perdão. Na política, o termo “anistia” carrega os radicais gregos “a-” (não) e “mnestis” (lembrança).
Não dá obviamente para conceder a cada cidadão o poder de definir o que as pessoas podem lembrar sobre ele, mas seria útil se as “big techs” aperfeiçoassem seus mecanismos de busca para se parecer mais com o cérebro humano na capacidade de esquecer.
Não se trata de apagar os registros, mas de, conforme o tempo passa, jogar os pecadilhos e indiscrições das pessoas da primeira para a 18ª página do Google.