Se esses grupos são um perigo, o STF erra por ainda não tê-los desmantelado
“Eu desaprovo o que dizes, mas defenderei até a morte o teu direito de dizê-lo”. A frase é creditada a Voltaire, mas ele nunca a escreveu. O aforismo, porém, resume o pensamento do filósofo em relação à liberdade de expressão: ela precisa valer independentemente de concordarmos com o conteúdo do que é dito.
Eu discordo de cada palavra proferida pelo deputado federal Daniel Silveira e não tenho dúvida de que, ao atacar os ministros do STF, ele cometeu crimes contra a honra dos magistrados (se está coberto pela imunidade parlamentar é uma bela discussão jurídica).
Silveira pode também ter comedido delitos mais graves, tipificados na famigerada Lei de Segurança Nacional, mas é aí que a porca torce o rabo. Penso que não basta falar mal da democracia e das instituições para caracterizar esses crimes. Se bastasse, teríamos de banir Platão das bibliotecas. Para que uma fala antidemocrática constitua ilícito, é preciso que ela ocorra em um contexto em que ponha a democracia em risco real e iminente.
Se esses grupos ultrabolsonaristas são um perigo, o STF erra por ainda não tê-los desmantelado. Se não são, as sandices proferidas por Silveira não constituem razão suficiente para a cadeia.
Até entendo a reação dos ministros ao ver alguns de seus membros sordidamente xingados e ameaçados, mas, se há alguma instituição que precisa ser capaz de despir-se do “esprit de corps” e agir tecnicamente, é a corte suprema. As controvérsias jurídicas em torno da prisão não são pequenas e, fosse a vítima do ataque qualquer outra que não próprio tribunal, dificilmente veríamos um placar de 11 a 0 pelo encarceramento.
Quanto a Bolsonaro, seu silêncio sobre o caso completa o “grand slam” das traições a seu eleitorado mais fiel. Numa metáfora castrense, ele abandonou ao inimigo um companheiro ferido, o que, na ética militar, é a coisa mais vil e covarde que alguém pode fazer.