A concorrência dos eletrônicos não é a única a assombrar livreiros tradicionais
Mea culpa, mea culpa, mea maxima culpa. Por ações e omissões, sinto-me em parte responsável pelo que muitos já chamam de morte das livrarias. É que há dez anos leio quase que exclusivamente no Kindle. Nesse período, deixei de adquirir 548 itens de livreiros tradicionais.
Compreendo perfeitamente a resistência dos fãs do papel. Também tenho meu lado fetichista. Adoro o cheiro de uma edição da Bibliothèque de la Pléiade e, num lance tipo Jack, o Estripador, sinto falta de talhar as páginas dos exemplares não cortados com que a Belles Lettres às vezes me brindava.
Curvei-me, porém, às imposições do pragmatismo. O diabólico aparelhinho da Amazon serve melhor aos meus propósitos. Os livros eletrônicos chegam instantaneamente às minhas mãos (contra semanas numa importação física) e custam menos. Igualmente importante, o Kindle me permite fazer buscas no conjunto de obras da minha biblioteca e acessar anotações feitas durante a leitura.
A concorrência dos eletrônicos não é a única a assombrar livreiros tradicionais. Há também a competição das livrarias virtuais, que, por dispensar os caros aluguéis de espaço em shopping centers, a contratação de equipes de profissionais e por reduzir o capital que fica empatado na forma de livros que demoram a vender-se, conseguem praticar preços consideravelmente menores.
Não penso, porém, que as livrarias tradicionais irão todas desaparecer. Num mundo com mais de 7 bilhões de habitantes, sempre haverá um número não desprezível de leitores irredutivelmente fetichistas ou que apenas apreciam flanar entre as estantes de uma livraria em busca de uma serendipity e depois tomar um café folheando a obra. Desde que esses leitores estejam dispostos a pagar um pouco mais em cada exemplar assim adquirido, boas livrarias podem continuar existindo. É mais ou menos o mesmo modelo da agricultura orgânica, que prospera.