‘Quantos funerais este funeral irá ocasionar?’, pergunta-se uma ‘haredi’
Deu no New York Times. Em Israel, religiosos ultraortodoxos representam 12,6% da população, mas respondem por 28% das infecções por Covid-19.
Não é difícil entender as razões físicas para o excesso de contágio. Os ultraortodoxos, também conhecidos como “haredim” (tementes), tendem a constituir famílias numerosas, que dividem habitações de poucos cômodos. Desconfiam profundamente de tudo o que venha do Estado, incluindo recomendações sanitárias. Alguns até usam máscaras, mas fazê-lo está longe de ser a regra.
Talvez mais importante, os “haredim” não renunciam à vida comunitária, cujas práticas frequentemente os colocam em aglomerações. Ironia perversa, dão grande valor aos ritos fúnebres, que exigem que cada fiel abra caminho na multidão para tocar o esquife do morto. “Quantos funerais este funeral irá ocasionar?”, perguntou-se uma “haredi” chocada com as cenas de empurra-empurra em um enterro.
Menos sondáveis são as razões metafísicas para a despreocupação com a doença. Há lideranças que afirmam que Deus os protegerá do vírus. A essa altura, porém, a maioria dos fiéis já percebeu que isso não é verdade. Ainda assim, perseveram em seu comportamento.
O motivo tampouco é o desprezo para com a ciência. Ao contrário de muitos grupos religiosos tradicionalistas, “haredim” costumam aceitar a ciência e a tecnologia, que usam de domingo a quinta-feira. O ponto inegociável para eles é que quando ciência e fé se chocam, é sempre a fé que prepondera. E a fé, ao contrário da ciência, não precisa demonstrar suas razões.
O que me intriga é que a melhor hipótese científica para explicar o fenômeno da religiosidade é que ela atuaria como uma espécie de cola social, que favoreceria a sobrevivência de indivíduos que pertencem a grupos coesos. A Covid-19 e epidemias em geral, embora não falseiem a tese, mostram que existem situações em que a coesão pode ser letal.