Civis ou militares, estamos todos obrigados a avaliar a moralidade de nossas ações
Em junho, o presidente Jair Bolsonaro proclamou que as Forças Armadas não cumprem ordens absurdas. Penso que ele tem razão. O direito internacional também. Pelo menos desde os Julgamentos de Nuremberg, ficou estabelecido que a obediência a ordens de superiores não isenta o agente de responsabilidade penal por suas ações.
Assim, se o tenente manda e o soldado atira na nuca do suspeito rendido, ambos cometem homicídio qualificado. Se o presidente manda e o ministro some com a papelada incriminadora, os dois infringem a lei. Estar abaixo na hierarquia pode no máximo ser considerado circunstância atenuante.
Não há escapatória, civis ou militares, estamos todos obrigados a avaliar o tempo todo a moralidade de nossas ações.
Diante disso, o general Eduardo “um Manda e o Outro Obedece” Pazuello, ministro da Saúde, pode ficar em maus lençóis. O militar, ainda nos quadros da ativa do Exército, acatou determinação do presidente de encerrar colaboração com o Instituto Butantan para a aquisição de uma vacina chinesa contra a Covid, a Coronavac. Foi uma ordem absurda?
A questão é traiçoeira. Não penso que governos precisem fazer compras antecipadas de um imunizante que ninguém sabe se vai funcionar. O terreno é suficientemente incerto para não gerar obrigações. Mas é importante atentar para o fato de que a administração Bolsonaro já firmara um acordo desses para obter a vacina da Universidade de Oxford.
O presidente até pode sustentar que o acerto deve valer num caso e não no outro, mas precisaria oferecer uma justificativa racional para isso. Sem essa justificativa, que não apareceu, a ordem se torna de fato absurda, o que daria a Pazuello, seja como ministro, seja como militar, o direito de desobedecê-la.
Ordens absurdas até podem ser executadas, mas só se forem inócuas o suficiente para não causar danos. Caso contrário, o executor se torna coautor.