Muitos países africanos que têm mais ministérios do que leitos de UTI
Sem uma vacina que possa ser aplicada em larga escala, essa pandemia só vai acabar depois que a maioria dos terrestres tiver sido contaminada pelo Sars-Cov-2 e tornar-se imune a ele. Não vou considerar aqui a hipótese mais trágica, mas que não pode ser inteiramente descartada, de que infecções prévias não confiram proteção pelo menos parcial ao paciente.
Isso significa que, a menos que sua confiança na chegada relativamente rápida da vacina seja de 100%, as políticas de isolamento social que a grande maioria dos países abraçou precisam ser fortes o suficiente para evitar o colapso dos sistemas de saúde, mas não tão draconianas que impeçam o aparecimento gradual da chamada imunidade de rebanho.
O ritmo em que devem ocorrer tanto o isolamento como a retomada só pode ser calculado em nível local, levando em consideração itens tão variados como a capacidade da rede hospitalar e da realização de testes, a adesão da população às recomendações sanitárias, perfil demográfico, densidade urbana, hábitos de interação social etc.
Se tem lógica para a Suécia, onde mais da metade das residências é ocupada por apenas um morador, adotar uma forma mais relaxada de distanciamento —grande parte das infecções ocorre dentro de
casa—, essa mesma abordagem pode revelar-se desastrosa numa favela brasileira, onde quatro ou mais pessoas vivem num único cômodo, sem água corrente para a lavagem das mãos.
E a coisa pode ficar ainda pior. O que fazer no caso dos muitos países africanos que têm mais ministérios do que leitos de UTI? Não estou exagerando. Dez países africanos não têm nenhum ventilador; outros quatro contam com não mais que meia dúzia. Neste caso, a carência é tamanha que o próprio objetivo de proteger o sistema de saúde perde parte do sentido. Pode-se ainda defender o isolamento na esperança de que surja a vacina ou um remédio eficaz, mas aí já vira mais aposta do que gestão.
Hélio Schwartsman é jornalista, foi editor de Opinião. É autor de “Pensando Bem…”.