Poder estatal precisa ater-se ao princípio da impessoalidade da administração
Depois da Venezuela e de Cuba, o futuro chanceler do Brasil, Ernesto Araújo, desconvidou a Nicarágua para a posse de Jair Bolsonaro. Fê-lo em nome da liberdade. “A posse do PR [presidente] Bolsonaro marcará o início de um governo com postura firme e clara na defesa da liberdade”, declarou Araújo.
No que configura um grande avanço em relação a manifestações pregressas, Bolsonaro parece concordar com seu chanceler. Por ocasião do desconvite a Nicolás Maduro, ele disse: “Ditadura, pô, não podemos admitir. O povo lá não tem liberdade”.
Eu não poderia concordar mais. Por também prezar a liberdade, jamais convidaria os ditadores desses países para minha festa de aniversário. Existem, contudo, diferenças entre uma pessoa e um Estado.
Enquanto eu, você e qualquer cidadão que não esteja desempenhando funções públicas podemos manifestar preferências, exercitar caprichos e praticar todo tipo de discriminação não vedada por lei, inclusive o amor, o poder estatal precisa ater-se ao princípio da impessoalidade da administração.
Isso significa que, se o Brasil quisesse excluir da posse ditadores, precisaria fazê-lo de forma sistemática, aplicando o mesmo princípio a todas as nações e não apenas àquelas com que a pessoa física de Jair Bolsonaro tem uma rusga pessoal.
Numa análise perfunctória, teriam de ser desconvidados não só Venezuela, Cuba e Nicarágua, mas também China, Rússia, Turquia, Arábia Saudita, Egito, Paquistão, Costa do Marfim, Nigéria e Togo, para citar apenas algumas das autocracias mais escancaradas.
Isso não implica que valores não devam fazer parte das relações do Brasil com outras nações. Mas, de novo, é preciso que os princípios sejam aplicados de forma impessoal, não ao sabor das idiossincrasias de quem esteja no governo.
Quanto antes Bolsonaro entender que será o presidente do Brasil e não mais o ídolo de um grupo de WhatsApp, melhor.