Até o ponto de inflexão, epidemias progridem em ritmo avassalador
Respondo hoje à provocação do leitor Claudio Rangel: “Começo a achar cada vez mais que há um dramático exagero na reação ao coronavírus. Talvez dar ‘shutdown’ no mundo como estamos fazendo acarrete muito mais externalidades (mortes) do que se ‘deixássemos a coisa rolar’. Numa visão utilitarista, não seria melhor assumir que o vírus é um elemento de seleção natural e levar a vida (quase) normalmente? Haveria um colapso maior nos sistemas de saúde por 1, 2, 3 meses, mas depois voltaria ao normal e o resto do mundo seguiria funcionando”.
Eu penso que não. Mesmo na visão utilitarista, é importante que nos esforcemos para reduzir o ritmo dos contágios. O problema de fundo aqui é que, na fase inicial da epidemia, nós lidamos com uma função exponencial —algo que a intuição humana tem dificuldade em processar. Se você lembrou da história do grão de trigo e o tabuleiro de xadrez popularizada por Malba Tahan, acertou.
Até atingir o ponto de inflexão, epidemias progridem em ritmo avassalador. Um exemplo calculado por Grant Sanderson, do canal 3Blue1Brown, dá bem a dimensão do problema. Se você tem 21 mil infectados e a epidemia cresce a uma taxa de 15% ao dia, haverá, dentro de 61 dias, 105.873.570 infectados.
Se, porém, você baixar o ritmo de crescimento de 15% para 5% durante esse período “inflacionário” —o que não é impossível com a adoção de medidas duras de afastamento social—, seu total de pacientes ao cabo de 61 dias despencará de mais de 100 milhões para 411.876.
Obviamente, essa escala de diferença faz toda a diferença para um sistema de saúde. Como, devido a outra armadilha matemática, a taxa de mortalidade da covid-19 varia muito em função da sobrecarga a que os hospitais estão submetidos, eu não recomendaria a solução darwiniana. Detalhe, não é só a mortalidade da covid-19 que aumenta quando o sistema entra em colapso, mas a de todas as doenças.