Se a pandemia, ao escancarar as debilidades de governantes, servir para que o mundo se livre deles, terá produzido efeito positivo
Um dos problemas com a democracia é que ela favorece demais candidatos que já ocupam o cargo. A taxa de reeleição numa base de quase 3.000 pleitos realizados em diversas partes do mundo ao longo dos últimos dois séculos e meio é da ordem de 80%. Isso significa que nunca se deve desprezar um postulante à reeleição, por mais fraco que ele possa parecer.
Pesquisa recente do Instituto Paraná, que coloca o presidente como favorito à sua própria sucessão, animou as hostes bolsonaristas. Não tenho nenhuma razão para contestar os números do levantamento. Acredito mesmo que, se a eleição fosse hoje, Bolsonaro concorreria com grandes chances. Mas a eleição não é hoje. Será em 2022.
Dois anos em tempos de pandemia são uma eternidade. Nos cinco meses em que o Sars-CoV-2 circula entre nós, já vimos Bolsonaro renegar a bandeira anticorrupção e aliar-se ao centrão. Se há, porém, um fator razoavelmente consistente no que diz respeito a efeitos eleitorais, é a economia, que não vai ajudar o presidente.
Ninguém ainda sabe qual o tamanho do desastre que a pandemia vai provocar, mas é certo que estará entre os piores da história —e não será passageiro. Só por milagre assistiremos a uma recuperação tão intensa que possa servir de cabo eleitoral para o presidente em 2022.
De olho nas urnas, Bolsonaro dá sinais de que vai criar a sua versão do Bolsa Família, que ele tão duramente criticava quando o beneficiário eleitoral do programa era o PT. Em condições normais, poderia funcionar. Mas o Brasil tem hoje pouco espaço nas contas públicas. Se o presidente fizer alguma loucura, a inflação, que é eleitoralmente corrosiva, reaparece.
Alguém já afirmou que mesmo de catástrofes podem emergir coisas boas. Se a pandemia, ao escancarar as debilidades de governantes, servir para que o mundo se livre de líderes como Trump e Bolsonaro, terá produzido ao menos um efeito positivo.