O premiê israelense aposta tudo em eleições que definirão o rosto de Israel no futuro
A eleição de amanhã em Israel será um teste decisivo na longa carreira do primeiro-ministro Bibi Netanyahu, o mais longevo premiê na história do país. Há pelo menos três modos de enxergá-la: pelo prisma da disputa política, pelo da relação entre religião e estado, pelo da divisão profunda na sociedade israelense.
Politicamente, o pleito é o último e desesperado lance de Bibi para se livrar do indiciamento nos escândalos de corrupção que o assombram: duas denúncias de favorecimento ilícito a empresários de comunicação em troca de cobertura jornalística favorável, uma terceira pelo uso indevido de verbas públicas em mordomias e um quarto escândalo de propinas na compra de submarinos alemães, que até agora não resultou em denúncia em Israel, mas é investigado na Alemanha.
Se indiciado, Bibi será forçado a renunciar. A não ser que obtenha a maioria do Knesset, o Parlamento israelense, e consiga aprovar duas leis que lhe salvariam a pele: a primeira isentando um premiê em exercício de indiciamento, a segunda reduzindo poderes da Suprema Corte. A primeira tentativa, na eleição convocada ano passado e realizada em abril, quase deu certo. Incapaz, contudo, de formar um governo, BIbi dobrou a aposta no final de maio, com uma moção que dissolveu o Knesset eleito e convocou novas eleições.
A dificuldade dele para reunir o apoio de 61 dos 120 parlamentares resultou de uma divergência na visão sobre o papel da religião que racha o país ao meio. Avigdor Lieberman, ex-ministro da Defesa – e antigo aliado na tomada do próprio partido, o Likud, nos anos 1990 – se negou a entrar no governo caso Bibi continuasse se recusando a pôr em prática uma lei já aprovada no Knesset, e mantida pela Suprema Corte, que obriga estudantes das escolas rabínicas a prestar serviço militar, como qualquer outro israelense.
Com sua relutância, Bibi acenava aos partidos religiosos que, com 16 cadeiras no Knesset, eram cruciais para a maioria. O aceno tem lógica não só no presente. A demografia favorece os religiosos. O eleitorado ultra-ortodoxo não para de crescer. Em 2016, representava 11% da população. Em 2039 serão 19%, segundo as projeções demográficas. Em 2059, 27%. Privilegiados desde a fundação de Israel com a prerrogativa de driblar o serviço militar, foram o pretexto de Liberman para, com suas 5 cadeiras, romper com Bibi e forçar novas eleições.
A base eleitoral de Lieberman é o eleitor russo e de países da antiga Cortina de Ferro, que imigrou para Israel com o colapso da União Soviética. Tem repulsa pela esquerda e não difere em nada das posições de Bibi contra o estado palestino ou em favor da anexação de territórios ocupados. Mas tem relação tênue com a religião e prefere a manutenção do poder em instituições laicas a ver a expansão de leis e regras ditadas pelos ultra-ortodoxos.
Pelo retrospecto e pela história de vida, Bibi está mais perto dos israelenses seculares que dos judeus ortodoxos. Ainda assim, aproximou-se ao longo dos anos dos rabinos que comandam os dois principais partidos religiosos e atraiu-os para todas as suas coalizões. Antes alheios à disputa política, interessados apenas em questões de ordem religiosa, cortejando ora o Likud, ora os rivais trabalhistas, os ultra-ortodoxos se tornaram com o tempo o eleitorado mais uniforme e confiável da direita, tão intransigente quanto Bibi no que toca concessões aos palestinos.
Uma vitória de Bibi significaria uma aproximação maior das instituições israelenses das demandas deles, com a redução provável (e conveniente para Bibi) dos poderes da Suprema Corte, reconhecida ao longo dos anos como garantia dos princípios laicos do Estado. Se, ao contrário, o vitorioso for o partido rival, Azul e Branco, do ex-general Benny Gantz, é esperado um recuo na tomada progressiva do Estado pela religião. Gantz comandou as Forças Armadas em governos Bibi e também é linha-dura em relação aos palestinos. Mas não há dúvida de que procuraria manter o caráter plural, israelense, do Estado, em vez de aproximá-lo dos cânones judaicos.
Ambos os lados dependerão do Israel Nossa Casa, partido de Lieberman, para obter maioria no Knesset e poder formar governo. Embora Lieberman tenha fechado com o Azul e Branco um acordo de contagem de votos (para não desperdiçar os eleitores que restam depois da atribuição proporcional das cadeiras no Parlamento), suas intenções reais permanecem uma incógnita. A manobra de abril lhe rendeu popularidade, e ele espera dobrar para dez seus assentos no Knesset.
Sem Lieberman, Bibi não somaria mais que 58 cadeiras, mesmo com apoio do partido de extrema-direita Poder Judaico, que poderá entrar pela primeira vez no Knesset se alcançar a barreira de 3,25% dos votos. O Poder Judaico é formado por seguidores do rabino Meir Kahana, assassinado em Nova York nos anos 1990, cujas racistas já foram julgadas ilegais pela Suprema Corte.
Gantz, por seu turno, dependerá não apenas de Lieberman, mas também de uma aliança com os partidos de esquerda, cuja visão sobre a questão palestina é antagônica à de ambos. Mais que isso, pela primeira vez ele cortejou o eleitor árabe-israelense. Representando 20% da população, os árabes têm direito a voto e estão representados no Parlamento desde a fundação de Israel. Nunca participaram formalmente de um governo, mas agora ele são vistos tanto pelo Azul e Branco quanto pelos partidos de esquerda como a única forma de compensar a aproximação entre Bibi e os ultra-ortodoxos.
A expectativa é que a Lista Conjunta, que reúne quatro partidos árabes, tenha um desempenho melhor amanhã que em abril (quando concorreu dividida e, ainda assim, obteve 10 das 120 cadeiras). Também se espera um comparecimento dos árabes superior aos 50% que votaram em abril, apesar de todas as tentativas de Bibi para intimidar esse eleitorado. O Knesset rejeitou dias atrás uma medida que obrigaria os postos de votação nas aldeias árabes a instalar câmaras de vigilância contra fraudes, um fantasma levantado pela campanha de Bibi sem nenhum tipo de apoio na realidade.
Pela primeira vez, tanto o Azul e Branco quanto o Partido Trabalhista fizeram campanha para mobilizar o eleitor árabe e convencê-lo a votar contra a permanência de Bibi no poder. É improvável, contudo, que Gantz aceitasse partidos árabes em sua coalizão (um deles é expressamente contrário ao Estado de Israel). O mais razoável seria governar com apoio tácito deles, como fez o premiê Yitzhak Rabin depois dos acordos de Oslo nos anos 1990.
Outra possibilidade, única apoiada explicitamente por Lieberman, seria uma aliança entre os rivais Likud e Azul e Branco para formar um governo de união nacional sem Bibi. Ela deixaria de lado tanto os partidos árabes quanto os religiosos – e representaria sem dúvida o sentimento majoritário na sociedade israelense. Seria, contudo, pedir demais de grupos políticos que se atacam incessantemente há mais de um ano.
Há, por fim, um último fator que poderá interferir no resultado. Em abril, os ventos externos sopravam a favor de Bibi, graças a sua aliança com o presidente americano, Donald Trump, e à iminência de um novo plano de paz (ainda que insatisfatório) com os palestinos. Agora, Trump faz acenos aos aiatolás do Irã, e o plano de seu genro Jared Kushner se revelou uma quimera. Os ventos viraram na direção de Gantz. Tudo ainda dependerá, contudo, de Lieberman e dos dois grupos minoritários, mas decisivos: árabes-israelenses e judeus ultra-ortodoxos.