Congresso tem diante de si as chaves para abrir o caminho para superar o estigma do baixo crescimento
A agenda do Legislativo em 2020 está recheada de matérias de grande relevância para o fortalecimento institucional do Banco Central e do mercado financeiro brasileiro, com reflexos positivos sobre a percepção de risco dos investidores em relação ao nosso país. Além da própria autonomia do BC, estão na pauta das casas do Congresso a nova legislação cambial e o projeto de lei complementar que trata de resolução bancária. A aprovação de tais matérias pelo Congresso Nacional ao longo do corrente ano reforçaria em muito as perspectivas de crescimento sustentável da economia brasileira nos anos vindouros.
Como se sabe, o projeto de lei complementar da autonomia do Banco Central, encaminhado pelo presidente Bolsonaro ao Congresso em abril do ano passado, dá à instituição as condições para o exercício da política monetária ao abrigo de pressões políticas, atribuindo mandato fixo ao seu presidente e a seus diretores, ao mesmo tempo em que estabelece os mecanismos de “accountability” indispensáveis no regime democrático. Trata-se de um texto enxuto, bem redigido, cuja aprovação legislativa aumentará a confiança dos agentes econômicos na preservação do poder de compra da moeda e na estabilidade do sistema financeiro, atributos essenciais na tomada de decisões de investimento principalmente em horizontes mais longos.
No passado, o debate no Brasil sobre a autonomia do Banco Central foi marcado pela dificuldade de se vencer ideias preconcebidas de parte dos políticos eleitos que viam na autonomia da autoridade monetária o risco de criação de um quarto poder, que poderia atuar totalmente a revelia das instituições típicas do Estado democrático. A experiência internacional, contudo, mostra hoje que tal temor é infundado, mesmo no caso de bancos centrais que legalmente dispõem de grande raio de ação para executar a política monetária.
Por outro lado, a estabilidade monetária obtida pelo Brasil no último quarto de século, após o Plano Real, mostrou claramente à sociedade os benefícios trazidos aos cidadãos pela ausência das incertezas e outras mazelas associadas à inflação galopante que caracterizava a economia brasileira antes de 1994. A maior aversão ao risco inflacionário presente na sociedade brasileira hoje dá uma sustentação mais ampla e profunda à ideia de um banco central com autonomia para executar as políticas necessárias à preservação do poder de compra da moeda.
Outro aperfeiçoamento relevante nas regras do jogo da economia seria a aprovação pelo Poder Legislativo do projeto da nova lei cambial apresentado pelo Executivo em outubro último. Em linhas gerais, o projeto busca substituir o emaranhado de dispositivos legais que disciplinam hoje o mercado cambial – alguns deles anacrônicos e datados ainda dos tempos da grande crise de 1929 – por um conjunto de normas sistemicamente coerente e que preparam o país para a livre conversibilidade de sua moeda.
São muitos os benefícios potenciais para a economia brasileira da adoção de um novo marco legal para o mercado de câmbio. Haverá a diminuição da insegurança jurídica que hoje existe em razão do patchwork de normas que regem a matéria e a redução da burocracia para exportadores, importadores e outros participantes desse mercado. Com isso, haverá o aumento da atratividade para os investimentos estrangeiros na economia brasileira e a possibilidade de aumento das trocas comerciais com o exterior.
Algumas críticas ao projeto da nova lei cambial destacam o risco de que a moeda brasileira se torne mais volátil e sujeita a ataques especulativos. No entanto, deve ser ressaltado que o projeto tem salvaguardas suficientes que permitem a atuação do Banco Central em situações de crise, além da previsão de implantação gradual da livre conversibilidade do Real.
Uma terceira iniciativa relevante no âmbito da economia é o projeto de lei complementar que trata da resolução bancária, encaminhado em dezembro passado ao Congresso. Trata-se de um projeto que vinha sendo gestado há muito tempo no Banco Central e que passou por várias rodadas de discussão com os especialistas da área. Moderniza e consolida a legislação que trata dos regimes de resolução, ao tempo em que alinha o Brasil às recomendações do FSB (Financial Stability Board).
O projeto vem coroar uma jornada iniciada há 25 anos, antes mesmo da crise global de 2008, que dotou o Brasil de instituições e instrumentos que asseguram a estabilidade financeira e minimizam o risco de crises financeiras sistêmicas. Sua aprovação ajudará também a melhorar a percepção de risco dos agentes econômicos em relação ao Brasil, trazendo fluxos adicionais de recursos para investimento.
Por tudo isso, o ano que se inicia pode ser memorável em termos de mudanças no ambiente institucional com vistas a abrir caminho para o crescimento sustentável da economia na próxima década. A responsabilidade recai sobre o Congresso Nacional que tem diante de si as chaves que podem abrir o caminho para a superação do estigma do baixo crescimento que por décadas flagela a economia brasileira.
*Gustavo Loyola, doutor em Economia pela EPGE/FGV e ex-presidente do BC