Em qualquer cenário de recuperação econômica a reforma da previdência tem uma centralidade absoluta
Os primeiros quatro meses da administração Bolsonaro trouxeram sinais conflitantes para os agentes econômicos que de uma maneira geral iniciaram o ano com expectativas positivas sobre o desempenho do novo governo no campo da política econômica. Essa frustração das expectativas tem sido uma das causas, embora não a única, das dificuldades para uma recuperação mais vigorosa da economia brasileira neste início de ano.
A eleição de Bolsonaro e sua opção por uma equipe econômica de viés indubitavelmente liberal sinalizavam para uma oportunidade ímpar para o Brasil realizar finalmente uma reforma previdenciária que tirasse do horizonte os riscos fiscais e também desse início a um programa de reformas destinadas a aumentar a produtividade da economia e a melhorar o ambiente de negócios vigente no país.
É certo que sempre houve dúvidas sobre a conversão de Jair Bolsonaro às ideias liberais em economia, ele que ao longo de sua carreira política jamais tivera posições alinhadas a esse credo. Porém, a fala do “posto Ipiranga” e sua admissão pública de ignorância em economia bastaram para levar a maioria a crer que Paulo Guedes fosse ditar os rumos da política econômica, sem muita interferência do novo presidente da República.
Ocorre que a indigente capacidade de articulação política no Congresso, a insistência do governo em posturas ideológicas polêmicas e divisivas e a evidente incompetência de alguns dos auxiliares diretos do presidente da República estão contribuindo para minar a confiança inicialmente depositada pela maioria dos agentes econômicos na capacidade de Bolsonaro conseguir com relativa rapidez, e aproveitando o capital político advindo das urnas, obter as vitórias legislativas indispensáveis ao sucesso de uma agenda reformista, nomeadamente na questão da previdência social.
Para piorar a situação, o desempenho da economia no último trimestre do ano passado e nos meses iniciais de 2019 foi decepcionante, em razão não apenas das próprias incertezas na esfera política, mas também fruto de outros fatores relevantes, tais como a fraqueza da economia global e os efeitos defasados dos choques a que economia brasileira esteve submetida no ano passado. Tudo isso acabou por contribuir para uma reversão parcial das expectativas positivas sobre o desempenho da economia, como atestam as sucessivas revisões para baixo das projeções de crescimento do PIB em 2019 e 2020 coletadas pela pesquisa Focus do Banco Central.
Em qualquer cenário de recuperação sustentável da economia brasileira, a reforma da previdência tem uma centralidade absoluta, pois somente ela pode remover os riscos de um crescimento descontrolado da dívida pública, além de abrir espaço para uma gestão mais eficiente do gasto do governo nos anos vindouros. É evidente até para os mais míopes em economia o estado indigente das contas públicas no Brasil em todas as três esferas de governo, situação para a qual contribuem principalmente os crescentes gastos com o pagamento de benefícios a aposentados.
Por causa disso, todas as atenções se voltam para a tramitação da proposta de reforma da previdência social submetida pelo governo Bolsonaro ao Congresso Nacional. Se de um lado o teor da proposta não decepcionou, sua tramitação no Legislativo tem preocupado a ponto de afetar as próprias projeções de cenários para a economia brasileira no quadriênio 2019-2022.
O rol das dificuldades e trapalhadas que o governo Bolsonaro em suas relações com o Congresso Nacional é extenso, mas a síntese é que sua pobre articulação com o Congresso e a inexperiência evidente de alguns dos atores políticos relevantes estão colocando em risco a aprovação de uma reforma substanciosa da previdência ainda neste ano. Preocupa especialmente o risco de diluição excessiva pelo Congresso da proposta inicial da reforma, trazendo as economias esperadas nos próximos dez anos do patamar inicial esperado de R$ 1,3 trilhão para menos de R$ 500 bilhões o que representaria uma reforma bem aquém das necessidades impostas pelo sombrio cenário fiscal já instalado no país.
Por outro lado, a crença na agenda de liberalização econômica e de criação de um ambiente mais favorável ao crescimento foi de certo modo abalada por episódios de interferências desastradas do próprio presidente Bolsonaro, como nos casos da suspensão do aumento do diesel programado pela Petrobras e da retirada da publicidade do Banco do Brasil por, digamos assim, “excesso” de diversidade. Muito embora as piores consequências tenham sido evitadas, em ambos os casos ficou evidente que o núcleo familiar-palaciano do governo tem um DNA populista e intervencionista que pode interferir negativamente sobre a direção liberal de política econômica empreendida pelo ministro Guedes e sua equipe.
Em suma, o desempenho da atividade econômica nos próximos meses é altamente dependente da agenda política, tanto no que diz respeito à tramitação da reforma previdenciária e de outras medidas no Congresso, quanto da capacidade do Executivo de fazer avançar agenda de reformas microeconômicas, incluindo privatizações e concessões. Por enquanto, felizmente, as expectativas ainda estão no terreno positivo, em que pese as frustrações trazidas nos primeiros quatro meses da administração de Jair Bolsonaro.
*Gustavo Loyola, doutor em Economia pela EPGE/FGV, ex-presidente do BC do Brasil – Sócio-diretor da Tendências Consultoria Integrada, em São Paulo