Não se pode ter a vã ilusão de que juros baixos por longo período seja a receita certa para o crescimento econômico
Em sua última reunião, o Comitê de Política Monetária do Banco Central colocou a taxa Selic em seu mais baixo patamar histórico – 2% ao ano – e ao mesmo tempo, como “forward guidance”, sinalizou para a manutenção da política de estímulo monetária pelo menos até o final do ano de 2022. Contudo, por mais que as ações da autoridade monetária afetem o comportamento da demanda agregada no curto prazo, seria equivocado contar com os juros baixos como instrumento para elevar de modo sustentado a taxa de crescimento da economia brasileira nos próximos anos. Quando muito, a política monetária expansionista facilitará a recuperação cíclica da economia no pós-pandemia.
De início, deve ser registrado que ter os bancos centrais como pilares do combate aos efeitos econômicos da pandemia foi uma tendência global que abrangeu não apenas as economias maduras como também as emergentes. Não poderia ter sido diferente. A crise sanitária criou um formidável “gap” entre as receitas e despesas operacionais das empresas e provocou uma queda abrupta e substancial na renda disponível das famílias.
No curto prazo, o alívio passaria necessariamente, como de fato passou, pela expansão do crédito para os agentes econômicos de modo a lhes permitirem enfrentar a fase mais aguda da crise, quando a necessidade do distanciamento social enfraqueceu a atividade econômica de maneira substancial. Coube aos bancos centrais, nesse contexto, o papel de prover a necessária liquidez aos mercados, por meio da expansão de seus balanços, entre outras medidas.
Contudo, igualmente como tendência global, os bancos centrais não estiveram solitários na tarefa de enfrentamento da crise. A política fiscal também foi largamente utilizada, por meio de programas de transferência direta de renda para as famílias e empresas, alívio de impostos e garantias em operações de crédito. Aqui no Brasil, também não foi diferente, tendo o Tesouro Nacional praticado uma política fortemente expansionista, que deve elevar o déficit primário de 0,9% do PIB em 2019 para quase 10% do PIB em 2020, segundo projeções de mercado.
Como mencionamos numa coluna anterior, o esforço fiscal no Brasil deixou as contas públicas extremamente vulneráveis, pelo crescimento da dívida pública para quase 100% do PIB. Tal fato indica a necessidade de contenção fiscal nos próximos anos, de maneira a recuperar o equilíbrio das contas primárias e afastar o risco de insustentabilidade do endividamento público. Daí a necessidade da preservação das regras fiscais – como o teto constitucional de gastos – e simultâneo esforço de reforma em várias frentes para reduzir a rigidez orçamentária, de forma a viabilizar ao longo do próximo quinquênio a restauração da saúde no campo das finanças públicas.
As implicações do atual estado sofrível das contas públicas para a política monetária são de várias naturezas. De um lado, a necessidade da prática de uma política fiscal contracionista, ainda que gradualista, nos próximos anos, coloca sobre os ombros da política monetária o papel solitário de estimular a demanda agregada, com vistas a fechar o hiato do produto que se formou os últimos anos com as crises recessivas de 2015-2016 e 2020.
De outro, o risco associado à precariedade fiscal impõe um limite para as quedas das taxas de juros de longo prazo, tendo em vista o prêmio de risco exigido pelos credores da dívida pública. Aqui se tem a velha questão da dificuldade, ou mesmo incapacidade, de os bancos centrais afetarem os juros de longo prazo, o que cinge sua atuação à região curta da curva de juros. Portanto, a própria efetividade da política monetária é amortecida pela situação fiscal.
Ademais, no caso de o Banco Central ter que elevar a taxa de juros, em aderência ao arcabouço do regime de metas para inflação, pode ressurgir o temor da ocorrência de uma situação de dominância fiscal, como ocorreu brevemente no segundo semestre de 2015, caso paradoxal em que o aperto monetário faz piorar as expectativas inflacionárias.
Desse modo, a manutenção dos juros baixos depende da preservação da responsabilidade fiscal, além, é claro, da credibilidade do Banco Central construída nos últimos anos no bojo do regime de metas para inflação.
Porém, mesmo que as condições apontadas no parágrafo anterior prevaleçam nos próximos anos, o crescimento mais acelerado e sustentado da economia brasileira não estará assegurado. Como aponta a teoria econômica consagrada, o crescimento da produtividade é que, em ampla medida, determina a capacidade de crescimento de uma economia no longo prazo.
Obviamente, a contribuição dos bancos centrais não é desprezível nesse particular, pois cabe a eles assegurar a estabilidade da moeda que é um dos pilares essenciais para o bom funcionamento da economia. Contudo, não se pode ter a vã ilusão de que a manutenção de juros baixos pelo BC por longo período seja a receita certa para o crescimento econômico. Esse tipo de ilusão serve apenas para diminuir o apoio da sociedade à imprescindível agenda de reformas que conduza à aceleração do crescimento da produtividade no país.
Gustavo Loyola, doutor em Economia pela EPGE/FGV, ex-presidente do Banco Central, é sócio-diretor da Tendências Consultoria Integrada, em São Paulo