Em meados de 2017, o general Augusto Heleno, hoje à frente do Gabinete de Segurança Institucional do Planalto, reuniu-se mais uma vez com um grupo de generais, da reserva e da ativa, em Brasília, com quem debatia havia já alguns anos os rumos da crise política sem fim em que o Brasil se meteu. Daquela vez, comentavam os últimos lances do “tem de manter isso, viu”, e faziam projeções para as eleições de 2018. Lula seria candidato? A direita teria chance? Geraldo Alckmin? João Doria? Luciano Huck? Jair Bolsonaro? Dos que estavam naquele encontro, ninguém se lembra com exatidão em que parte da conversa Heleno levantou-se e encarou os demais, mas todos têm fresca na memória o que ele disse: “Bolsonaro? Só se ele parar de falar m…”.
Dali a algumas semanas, Heleno cobraria Bolsonaro e ouviria dele a mesma explicação que o então deputado sempre dava a quem lhe perguntava o porquê de seu jeitão enfurecido, meio amalucado, na Câmara e nas redes sociais: “Senão, ninguém me notaria”. Foi naquela conversa, após Bolsonaro prometer que, eleito, seria mais moderado, que o general topou trabalhar pelo capitão.
Mas, no meio do caminho, tinha um filho. Três filhos, para ser preciso. Nenhum daqueles generais reunidos em 2017 imaginava que, em janeiro de 2019, estariam todos na Esplanada tendo de tocar a nona maior economia do mundo e tendo Flávio, Carlos e Eduardo como as principais ameaças ao governo.
“Sabe qual foi a última do Carlos?” A pergunta volta e meia atravessa os despachos entre generais do governo Bolsonaro, em referência ao zero dois, vereador no Rio de Janeiro e tuiteiro voraz e virulento, que, sabe-se lá por que, rifou uma candidatura praticamente ganha de deputado pelo Rio de Janeiro.
O fato é que Carlos não quis. Tampouco recebeu um cargo no Planalto, diante do temor de Bolsonaro de ser acusado de nepotismo ao nomear o filho. Preferiu a trincheira da briga, com ataques explícitos ao hoje secretário-geral da Presidência Gustavo Bebianno, presidente do PSL durante a campanha, e a outros aliados. No mais grave tuíte, entretanto, Carlos não teve coragem de dar nome aos bois. Acusou pessoas que estão “muito perto” de terem interesse na “morte de Jair Bolsonaro”. E mais não disse. Os fãs da teoria da conspiração enlouqueceram.
Eduardo Bolsonaro, o zero três, ora é alvo de piada, pelas brigas virtuais rocambolescas em que se meteu com uma ex-namorada, ora é visto com preocupação, por buscar um protagonismo nas relações internacionais que, na visão dos generais, caberia ao Itamaraty. Mas é Flávio Bolsonaro, o zero um, o filho que realmente tem tirado o sono da caserna.
Nenhum general saiu em apoio a Flávio. E nem deve sair. “O Flávio? Aquilo está mais assustado do que cachorro na beira da canoa. De olho arregalado, achando que vai ser engolido pelo mar”, debochou um dos generais, numa conversa privada na semana passada, arrancando gargalhadas de seus interlocutores. E depois completou: “Já passou da hora de explicar tudo”. A avaliação de Heleno, do vice Hamilton Mourão, de Carlos Alberto dos Santos Cruz, ministro da Secretaria de Governo, e de outros fardados da Esplanada vai na mesma direção.
Mas se em relação a Flávio os generais observam à distância, o oposto ocorreu com Carlos. Na segunda quinzena de janeiro, houve uma articulação deliberada entre alguns quatro estrelas para reduzir os danos que, na opinião deles, Carlos vem causando na relação com a imprensa, e para tentar neutralizar a influência dele na Secretaria de Comunicação, responsável pela propaganda e pela relação do governo federal com jornalistas.
A estratégia foi capitaneada pelo ex-comandante do Exército Eduardo Villas Bôas, que convenceu Bolsonaro a nomear o também general Otávio Rêgo Barros, ex-chefe do Centro de Comunicação Social do Exército, para ser o porta-voz da Presidência. Villas Bôas também conseguiu evitar que Carlos indicasse para a Secretaria de Imprensa (SIP) um nome seu, tal qual fizera na própria Secom, nomeando para o cargo o publicitário Floriano Barbosa, ex-assessor de Eduardo Bolsonaro na Câmara.
O titular da SIP agora é um tenente-coronel, que se orgulha de dizer que as diretrizes centrais de seu trabalho são a boa relação com os jornalistas e a tentativa permanente de passar uma imagem positiva do governo, em vez de apenas reagir e brigar. Tudo que Carlos não faz.
Mais que uma disputa por gabinetes, a disputa pela Secom é central no conflito de visões de mundo dos Bolsonaros com os generais. Enquanto os militares defendem a profissionalização da comunicação do governo, sem ataques à imprensa, a família Bolsonaro mantém o clima de campanha, quando, todo dia, no melhor estilo do PT, afirma ser vítima de uma conspiração midiática.
Ao longo de janeiro, ficou claro o descompasso entre os perfis dos Bolsonaros no Twitter e os discursos públicos dos generais.
No dia 2, enquanto Carlos Bolsonaro tuitava que a imprensa era “suja” e “podre”, e seu irmão Eduardo dizia que Carlos “se lixa” para os veículos de mídia, o general Fernando Azevedo e Silva, da Defesa, agradecia em seu discurso de posse a presença dos jornalistas, por “cobrarem quando é necessário” e “ajudarem a dar transparência” ao trabalho dos militares.
Dois dias depois, o ministro da Aeronáutica, Antonio Carlos Moretti Bermudez, tomava posse e dizia que “é determinante o papel da imprensa na conexão com a sociedade”. Já Carlos, também no dia 4, rebatia os questionamentos sobre por que ele, vereador, participara de uma reunião ministerial, e chamava jornalistas de “lixos da mídia” e “boçais”.
No dia 11, foi a vez de Villas Bôas agradecer em discurso aos jornalistas, “permanentemente vigilantes”, e que, com isso, “produziram o efeito de induzir o aperfeiçoamento institucional” do Exército. No Twitter, Eduardo dizia que a imprensa era “nojenta” por questionar o fato de Bolsonaro estar nomeando amigos para cargos públicos.
A visão sobre a imprensa não é a única discordância. Enquanto Eduardo trombeteia até nos Estados Unidos que a embaixada brasileira em Israel deve mudar de Tel Aviv para Jerusalém, alguns generais pensam diferente. Acham uma promessa de campanha tresloucada e preferem que a embaixada fique onde está.
Não só nesse episódio os generais têm atuado como força de moderação às alas do governo (e da família) que não entenderam que a campanha terminou. Coube a Mourão criticar o discurso de ódio contra Jean Wyllys, que renunciou ao mandato após anos de ameaças. Também têm sido os generais que têm se virado nos trinta para completar as lacunas da despetização de Onyx Lorenzoni, que, após demitir quase todos os arquitetos do Planalto, dificultou as primeiras semanas de trabalho por falta de pessoal para fazer as adaptações necessárias nas salas para acomodar o novo governo.
À ponderação dos militares, se soma a disciplina. Heleno chega todos os dias antes de Bolsonaro. Recebe o chefe pessoalmente na garagem. No elevador, já começa a despachar os assuntos do dia. Quando não é Heleno, o ritual cabe ao general Valério Stumpf, número dois do GSI. São esses despachos de elevador que têm dado norte ao governo e orientado Bolsonaro, cujo entorno sabe que, com exceções na Economia, na Justiça e em outras poucas pastas tocadas por civis, os melhores quadros do governo usam farda — hoje são pelo menos 18 generais só no Planalto.
Mas os generais sabem que de pouco adiantarão as grifes da equipe de Paulo Guedes ou de Sergio Moro se os três rebentos continuarem nesta toada. Na avaliação pragmática de um general, cada um dos quatro Bolsonaros tem uma missão pela frente. Flávio precisará explicar seus rolos no caso Queiroz. Carlos terá de decidir se quer ser vereador ou tuiteiro. Eduardo deverá aceitar que é deputado, e não chanceler. E Jair Bolsonaro precisará entender que, se não controlar os filhos, já existem generais que veem a necessidade de Heleno ter com o presidente uma nova conversa, nos mesmos moldes da que teve em 2017. Mas, desta vez, em vez de o próprio Jair ser enquadrado, o tema da conversa serão Flávio, Carlos e Eduardo.