“O Brasil está ficando mais pobre. Entre 1995 e 2016, países emergentes cresceram 127% em renda por trabalhador; os EUA, 48%. O Brasil cresceu apenas 19%”, disse o economista Marcos Lisboa em sua fala de abertura no Seminário sobre Reforma Tributária no Núcleo de Estudos Fiscais da FGV Direito, em dezembro do ano passado. Com efeito, uma parte relevante de nosso fracasso de produtividade econômica se deve, de um lado, à complexidade de nossa legislação tributária e, de outro, a oportunismos fiscais que geram distorções econômicas e iniquidades tributárias entre as classes mais baixas e mais altas.
O processo de simplificação tributária, já ocorrida nos países desenvolvidos há décadas, com a criação de um imposto único sobre o valor agregado, pode endereçar esses problemas de forma simples e eficiente – resta saber se, em 2019, essa pauta finalmente avança no Congresso.
A legislação é de fato complexa e seus números impressionam. Desde a promulgação da Constituição de 88, foram editadas, em média, por dia, 3 normas tributárias federais, 11 em nível estadual e 17 em nível municipal – colocando o Brasil entre os 10 piores países do mundo para se pagar impostos, segundo o Banco Mundial.
Apesar dessa montanha de leis gerada pelos 5.598 entes federativos brasileiros (União, Estados, Municípios), a insegurança jurídica permanece. Estima-se R$ 4 trilhões (66% do PIB do Brasil) de contencioso tributário e mais alguns bilhões em créditos tributários a empresas sem qualquer previsão de recebimento.
Essa insegurança tende a crescer à medida que as normas de nosso sistema tributário permanecem intactas a cada legislatura. Este fato aliado ao oportunismo fiscal desincentivam o investimento estrangeiro e a sobrevivência de empreendedores mais produtivos, o que prejudica o ambiente de negócios e a renda por trabalhador.
No Brasil, as regras do jogo incentivam o oportunismo e protegem empresas pouco produtivas, o que vai na direção contrária do capitalismo e das economias de mercado. Nos países da OCDE, a diferença de produtividade entre empresas é, no máximo, de 2 a 3 vezes. No Brasil, a diferença média é de 5 vezes. Isso quer dizer que empreendedores pouco produtivos conseguem se manter ativos no mercado brasileiro, enquanto em outros mercados competitivos teriam falido e estariam fora do jogo.
Isto só acontece aqui porque várias empresas improdutivas utilizam mecanismos tributários para se manterem mais competitivas que empreendedores verdadeiramente produtivos. Esses mecanismos contêm benefícios fiscais, regimes especiais, isenções tributárias e as reduções de base de cálculo, e incidem, em grande parte, sobre os impostos sobre o consumo (ICMS, ISS, IPI, PIS e Cofins). Existe hoje um quase-consenso nas esferas públicas e privadas de que um imposto sobre o valor adicionado (IVA), estruturado conforme as melhores práticas internacionais, poderia resolver esses problemas.
Um bom IVA no padrão de países desenvolvidos (i) incide sobre uma base ampla de bens e serviços, com uma alíquota única sem distinção entre classificação de bens e serviços e com transparência para o cidadão; (ii) não contempla benefícios fiscais, e poucos regimes especiais; (iii) não é pago na origem, evitando a atual guerra fiscal interestadual do ICMS; (iv) onera as importações e desonera as exportações.
Uma solução com essas características foi proposta pelo Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), dirigido por Bernard Appy, que propõe um IVA denominado Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). As suas principais características resolvem diretamente os pontos de problema da atual tributação, mantendo a carga tributária constante. O IBS, inclusive, já foi pautado e aprovado em comissão especial na Câmara dos Deputados no final de 2018, no formato de Proposta de Emenda à Constituição (PEC 293/2004). O desafio da próxima legislatura é levar ao plenário da Câmara uma reforma que está parada há mais de 50 anos.
Sobre o contexto político para tramitação da PEC 293/2004 temos algumas oportunidades e algumas ameaças. Do lado das oportunidades, temos (i) o fato de que a PEC já foi aprovada em Comissão Especial; (ii) o Executivo, a princípio, não se opõe à proposta da CCiF; (iii) os presidentes da Câmara e do Senado são da base governista e têm traquejo político para conseguir a maioria qualificada para aprovação da PEC.
Do lado das ameaças, por sua vez, observa-se que (i) os políticos mais envolvidos com a tramitação da PEC, Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR) e Mendes Thame (PV-SP) não foram reeleitos e levam consigo experiência acumulada e muitos votos de parlamentares aliados; (ii) a Reforma da previdência é o primeiro teste do novo governo e deve concentrar as atenções dos congressistas no primeiro semestre; (iii) os cidadãos anseiam pelo combate à corrupção e redução de impostos, não estando ainda sensibilizados com a necessidade de reforma tributária como ferramenta para aumento de suas rendas.
Enfim, politicamente, endereçar a questão tributária é tão importante para o aumento da renda por trabalhador quanto a questão da educação, da primeira infância e da infraestrutura no Brasil. Segundo Lisboa, não seria possível atingir a produtividade de país desenvolvido sem resolver a questão tributária. Já seria um ótimo início se a sociedade tomasse conhecimento desse fato – será um trabalho a muitas mãos.