Governo Bolsonaro: Autoridades públicas proferiram ao menos 94 discursos racistas

Levantamento dos grupos Conaq e Terra de Direitos mostra que só um caso teve responsabilização desde 2019
Foto: Evaristo de Sá/O Globo/
Foto: Evaristo de Sá/O Globo/

Rodrigo Castro / O Globo

RIO – Autoridades públicas das três esferas do Poder proferiram ao menos 94 discursos racistas durante o atual governo do país, segundo levantamento de entidades ligadas a movimentos raciais e de direitos humanos divulgado nesta terça-feira. O estudo, que monitorou casos expostos na imprensa e nas redes sociais entre 1º de janeiro de 2019 a 31 de dezembro de 2021, mostra que o chefe da Fundação Palmares, Sergio Camargo, e o presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), foram os que mais tiveram falas preconceituosas no período.

De acordo com a pesquisa, intitulada “Quilombolas contra o Racismo”, autoridades em cargos de direção e assessoramento do governo — como ministros, secretários e presidentes de autarquias federais — foram responsáveis pelo maior número de ocorrências, cerca de 33%. Do montante total, apenas uma resultou em responsabilização, conforme dados compilados pela Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) e pela organização Terra de Direitos.

O levantamento expõe que de, 2019 para 2020, os discursos racistas mais que dobraram: saltaram de 16 para 42. No ano passado, foram reportados 36 falas dessa natureza. Do total, 41% reforçaram estereótipos raciais, enquanto 25% negaram a existência do racismo. O estudo traz ainda que 96% dos discursos foram proferidos por homens.

Segundo o monitoramento, Camargo lidera entre os que protagonizaram maior número de casos, respondendo por aproximadamente 20% do total. Na sequência, aparece Bolsonaro, com 18% das ocorrências registradas. Também constam vereadores (17%), deputados estaduais (14%), deputados federais (9%), integrantes do Judiciário (7%) e o vice-presidente da República e prefeitos (1%).

Entre os episódios de destaque, o líder da Fundação Palmares disse, em uma reunião com auxiliares, que o movimento negro é uma “escória maldita”, que abriga “vagabundos”. No mesmo encontro, ele atacou as matrizes religiosas e afirmou que “macumbeiro não vai ter nenhum centavo”.

No ano passado, o então secretário da Cultura, Roberto Alvim, foi exonerado do cargo após copiar trechos de discurso realizado pelo ministro da propaganda do regime nazista, Joseph Goebbels. Um ano depois de sua demissão, ele classificou o episódio como um “engano terrível”.

Outro caso que repercutiu bastante ocorreu quando o assessor especial da Presidência para assuntos internacionais, Filipe Martins, realizou um gesto associado a supremacistas brancos durante discurso do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. Na ocasião, ele reproduziu com os dedos um símbolo que, nos Estados Unidos, se refere às letras W e P, em alusão a “White Power” (Poder Branco). Martins alegou que estava ajustando seu paletó.

Também são citados discursos feitos pelos ministros Paulo Guedes, Damares Alves, Milton Ribeiro e Marcos Pontes; pelo secretário especial de Cultura, Mário Frias; pelo ex-ministro Abraham Weintraub; pelos deputados Arthur Lira, Eduardo Bolsonaro, Rodrigo Amorim, Daniel Silveira e Bia Kicis, entre outros; e pelo ministro do STF Luís Roberto Barroso.

Única responsabilização

Segundo o levantamento, a única autoridade responsabilizada por seu discurso foi o vereador Jonathas Gomes de Azevedo (PROS-BA), do município de Mucuri. Em agosto do ano passado, o parlamentar atacou o deputado estadual Carlos Robson Rodrigues da Silva (PP), o “Robinho”. Azevedo chamou o político de “canalha”, “bandido”, “imoral”, “picareta” e “desavergonhado” em suas redes sociais.

O caso foi enquadrado com injúria e difamação. O autor, no entanto, enfrentava acusações de racismo por chamar o prefeito de Mucuri, Roberto Carlos Figueiredo Costa, de “neguinho”. Por decisão judicial, o vereador foi obrigado a retirar todas suas postagens ofensivas sob pena de multa de R$ 1 mil por dia, além do pagamento de R$ 20 mil reais a título de indenização por danos morais.

Idealizado em 2020, o monitoramento levou em conta cinco tipos de discursos: reforço de estereótipos racistas, incitação à restrição de direitos, promoção da supremacia branca, negação do racismo e justificação ou negação da escravidão e do genocídio. A pesquisa conclui que a baixa apuração e responsabilização dos fatos tem motivado a continuidade de práticas racistas nos discursos das autoridades públicas brasileiras.

—Esses números representam práticas constantes de governos autoritários, racistas e excludentes que usam as instituições públicas para manifestar suas patologias, tipo racismo, homofobia, entre outras. Não podemos mais permitir que tais práticas passem e fiquem impunes — disse a pesquisadora e co-fundadora da Conaq, Givânia Silva.

Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/autoridades-publicas-proferiram-ao-menos-94-discursos-racistas-durante-governo-bolsonaro-diz-estudo-25443295

Privacy Preference Center