Com presidente e seu ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, alvo de críticas pelo aumento do desmatamento no país, chefes dos executivos estaduais querem acesso aos recursos dos EUA
Em meio à lentidão do processo de imunização contra a covid-19 no Brasil, e com o pedido feito por ONGs para que o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, não negocie “a portas fechadas” questões ambientais com Jair Bolsonaro, governadores brasileiros lançarão nos próximos dias iniciativas nestas duas frentes em busca de protagonismo —e de resultados concretos. Chefes de 23 Executivos estaduais formaram um bloco chamado “Coalizão Governadores Pelo Clima”, que assina uma carta endereçada ao mandatário americano.
O documento será entregue ainda este mês ao embaixador dos Estados Unidos no Brasil. Na mensagem de três páginas eles divergem de Bolsonaro ao defender o Acordo de Paris —que o presidente já falou em abandonar— e “o cumprimento do Código Florestal para a conservação das florestas e da vegetação nativa” —outro contraste com o Planalto, cujo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, defende a flexibilização das leis para “passar a boiada”.
A carta é assinada por governadores de oposição a Bolsonaro, como João Doria (SP), Flávio Dino (MA) e Fátima Bezerra (RN), mas também por simpatizantes do presidente, como Romeu Zema (MG) e Cláudio Castro (RJ). Na mensagem eles se dizem preocupados com a situação e “conscientes da emergência climática global”. Também se colocam como atores capazes de contribuir com a solução caso tenham acesso aos recursos necessários, preenchendo um certo vácuo diplomático deixado pelo Governo Federal. “Nossos Estados possuem fundos e mecanismos criados especialmente para responder à emergência climática, disponíveis para aplicação segura e transparente de recursos internacionais, garantindo resultados rápidos e verificáveis”, diz o texto.
A articulação acontece às vésperas da Cúpula dos Líderes sobre o Clima, que será realizada de forma virtual em 22 e 23 de abril e para qual o Governo Joe Biden convidou Bolsonaro. Durante a campanha eleitoral em 2020 Biden chegou a dizer que poderia aplicar sanções contra o Brasil caso o país não controlasse o desmatamento. Depois de eleito, o tom de ameaça foi suavizado apesar dos recordes de devastação da floresta, e o enviado especial do Clima da Casa Branca, John Kerry, chegou a realizar uma videoconferência com o ministro Ricardo Salles e o então chanceler Ernesto Araújo para tratar do tema.
Todo o interesse não é em vão. A proteção dos biomas brasileiros é um negócio que movimenta bilhões de dólares. Desde o início do Governo Bolsonaro diversos fundos europeus ameaçaram suspender repasses destinados à preservação da floresta até que o Brasil mostrasse comprometimento com a redução do desmatamento e das queimadas na Amazônia e também em outros biomas. Noruega e Alemanha, por exemplo, bloquearam no final de 2019 o envio de recursos para o Fundo Amazônia, um dos principais do setor. Até o acordo comercial entre União Europeia e o Mercosul, assinado em junho de 2019, tem sua implementação arrastada à medida em que países como França e Áustria resistem a que ele saia do papel alegando preocupações ambientais.
O anúncio do contato dos governadores com Biden também ocorre uma semana após um grupo com mais de 200 ONGs ligadas a questões ambientais ter enviado ao presidente americano uma carta na qual criticam eventuais negociações “a portas fechadas” feitas entre os dois mandatários sobre a Amazônia sem a inclusão da sociedade civil. “Não é razoável esperar que as soluções para a Amazônia e seus povos venham de negociações feitas a portas fechadas com seu pior inimigo [Bolsonaro]”, afirmam em um trecho da mensagem, que também defende a participação dos Estados e comunidades locais nas tratativas. “Bolsonaro (…) compromete os Acordos de Paris ao retroceder na ambição da meta climática brasileira. Negacionista da pandemia, transformou seu país num berçário de variantes do coronavírus, condenando à morte parte da própria população”, conclui o texto.
Novos focos de atrito entre governadores e Planalto
A iniciativa dos governadores de contactar diretamente Biden tem potencial para provocar ainda mais atrito entre eles e o presidente. Ambas as partes já vivem uma relação bastante conturbada, erodida desde o início da pandemia quando Bolsonaro passou a atacar os executivos estaduais por tentarem controlar a crise sanitária com isolamento e restrições. Posteriormente, acusou os governadores de fazerem uso político da covid-19 e desviar recursos do Governo Federal destinados à Saúde.
Indagado sobre a possibilidade de conflitos com o Planalto, o governador do Piauí, Wellington Dias (PT), um dos signatários da carta, é taxativo: “Não estamos defendendo uma posição política individualista, e sim a posição do Brasil. Ela não foi alterada, apesar de verbalização [de Bolsonaro] no sentido diferente, as regras continuam as mesmas, não houve alteração da Constituição ou no Legislativo e Judiciário com relação à necessidade de proteger o Meio Ambiente”. Segundo ele, a ideia é que “Biden atente ao fato de que a posição no Brasil precisa ser uma posição que envolva os três poderes, e não apenas um”.
A carta dos Governadores pelo Clima não é a única iniciativa destes políticos que pode afrontar Bolsonaro. Nesta sexta-feira integrantes do Fórum Nacional de Governadores irá realizar por videoconferência uma reunião com a secretária-geral adjunta da Organização das Nações Unidas, Amina Mohammed. Na pauta, o pedido por “ajuda humanitária ao Brasil” em função da situação de descontrole da pandemia do novo coronavírus no país. “Queremos a sensibilização da ONU para que a Organização Mundial da Saúde agilize a entrega de vacinas para o Brasil”, afirmou Dias, referindo-se às doses do consórcio capitaneado pela entidade.
O protagonismo dos governadores na pandemia é uma questão crucial para Bolsonaro. Até o momento o Planalto ficou a reboque de iniciativas estaduais quando o assunto é imunização: boa parte das doses aplicadas nos mais de 23 milhões e brasileiros até esta terça-feira foi produzida no Instituto Butantan, em uma iniciativa do Governo paulista. Desde fevereiro outros governadores já iniciaram tratativas com laboratórios estrangeiros em busca de mais vacinas —algumas ainda sem autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, como é o caso do imunizante russo Sputnik V, adquirido por Camilo Santana (CE) e Flávio Dino (MA).