Gaudêncio Torquato: Tentando ver além das nuvens  

Nuvens plúmbeas, pesadas, impedem que se descubra se haverá algum raio de sol brilhando nos horizontes do amanhã. Quando este amanhã está muito distante, lá pela primavera de 2018, querer enxergar o ambiente será um exercício de adivinhação.
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Nuvens plúmbeas, pesadas, impedem que se descubra se haverá algum raio de sol brilhando nos horizontes do amanhã. Quando este amanhã está muito distante, lá pela primavera de 2018, querer enxergar o ambiente será um exercício de adivinhação.

O máximo que se pode garantir é que rebentos da natureza, como os ipês amarelo e roxo de São Paulo, darão um colorido à metrópole, que chamará a atenção ainda pela inclinação do eleitorado da capital e do Estado (9 milhões e 33 milhões, respectivamente) a votar nos candidatos que se submeterão às urnas no dia 5 de outubro.

Há muita fumaça a cobrir os céus nos próximos meses, resultantes de fogueiras acesas no terreno da política, algumas com capacidade de queimar perfis, deixando-os fora do pleito, como é possível inferir nos casos de Luiz Inácio Lula da Silva e Aécio Neves. Hoje, é forte a hipótese de que estariam fora do jogo eleitoral por estarem envolvidos na Operação Lava Jato.

Como o Brasil é o país do imponderável, é possível que Lula drible as condenações que pesarão sobre ele e volte ao ringue. Difícil, mas não impossível. Tentemos, sob densa teia de coisas imponderáveis, fazer algumas projeções, contando com o acervo de informações de que se dispõe e que nos permite fazer um exercício de interpretação.

Comecemos pela tradicional repartição do eleitorado brasileiro entre três terços, dos quais teríamos um alinhado à direita do arco ideológico, outro fixado no centro e o terceiro sediado na banda esquerda.

Os restantes 10% se diluiriam para um lado ou para outro, com possibilidade de se inclinar mais para o centro, a depender do clima de 2018 (quente, muito quente, temperado, frio ou muito frio), significando competição ferrenha, polarização aguda ou temperança e harmonia ambiental; ou, ainda, absoluta indiferença ao processo eleitoral em curso.

A economia como locomotiva
Quem vai acusar a quentura ou a frieza do meio ambiente é o termômetro da economia, sob a hipótese de que uma boa situação econômica jogaria um dinheirinho a mais no bolso do consumidor, capaz de encher a geladeira e garantir estômagos satisfeitos.

O coração agradecido acabaria “fazendo” a cabeça do eleitor votar em candidatos identificados com o bem-estar. (Esta é a equação que este consultor designa de BO+BA+CO+CA= Bolso, Barriga, Coração, Cabeça).

Já um ambiente muito quente, capaz de gerar certa ebulição social, tenderia a favorecer protagonistas afastados do status quo, explicitamente localizados nas margens do arco ideológico – esquerda ou direita – e capazes de ganhar a preferência da sociedade indignada.

Na ponta direita, poderemos ter Jair Bolsonaro, com uma visão ultra conservadora, e na margem esquerda, um perfil de oposição, saído das fileiras do PT- Fernando Haddad, por exemplo – ou outro apoiado por aquele partido.

Se Luiz Inácio salvar-se da fogueira, poderia se transformar em eixo catalisador. As pontas poderão abrigar velhos perfis radicais, sem grandes consequências, como figuras do PSTU e de entes nanicos.

Mas há protagonistas que pleiteiam disputar o canto esquerdo, dentre elas, Marina Silva e Ciro Gomes. A ex-seringueira possui um perfil asséptico, como legítima representante do ambientalismo, tem credibilidade, é pessoa que angaria respeito e admiração.

Parece, no entanto, não ter estofo para aguentar dura e sangrenta batalha pela Presidência. Que exige armas adequadas, recursos, vasto tempo de mídia eleitoral etc. Seria tragada por grandes estruturas.

Ciro Gomes, saindo pelo PDT, ganharia boa votação no Nordeste, mas tende a ser corroído por bolsões do Sudeste. Ciro é uma metralhadora ambulante. Conhecido por “morrer pela boca” como peixe. Tem um arsenal expressivo que acaba minando suas chances.

Os perfis do centro
Vejamos, agora, os nomes hoje lembrados para ocupar as áreas mais centrais. Vale recordar que esses perfis de centro teriam condições de puxar pedaços de blocos tanto da direita quanto da esquerda. Ou seja, quando falamos de centro, entenda-se o espaço que se estende ao centro-direita ou ao centro-esquerda. Na visão deste consultor, o perfil com tais posições tende a obter melhor desempenho eleitoral, contando com boa possibilidade de entrar no segundo turno. Quem seria esse figurante?

Comecemos pelos quadros que já se mostram como pré-candidatos: Geraldo Alckmin e João Doria. Ambos preenchem espaços do centro à direita. Geraldo tem história no PSDB, identifica-se com valores do equilíbrio, ponderação, seriedade, positiva imagem pessoal.

É criticado por lhe faltar determinação, expressão mais forte. Passa a impressão de lhe faltar um discurso mais assertivo, contundente, com propostas para o país. Está escrito na testa dele: sou paulista. Como tal, pode despertar rejeição de setores que vêem São Paulo como um país à parte, não representando, portanto, o interesse de outras regiões.

Há dúvidas sobre o leque de alianças que formaria. Lembre-se que chegou a defender a saída do PSDB do governo Temer.

Doria tende a ser visto como a “novidade”, a estampa contemporânea, o perfil que incorpora demandas do momento, a partir do conceito de “bom gestor”, como tenta ser. Sabe mexer com as mídias sociais e se faz presente nos mais distantes lugares.

Se conseguir ser o candidato tucano, tem condições de fechar grande arco de alianças. Está mais próximo do PMDB do que Alckmin. E José Serra? Debilitado, não disporia de fôlego para uma campanha presidencial. Sua vez passou.

Restaria, por último, Henrique Meirelles, cuja candidatura dependeria do sucesso da economia e consequente apoio de partidos grandes e médios, a começar pelo PMDB. Joaquim Barbosa, ex-presidente do STF, teria imensa visibilidade, mas não tem “fígado” para suportar uma campanha. Ciro Gomes, como já se disse, seria tragado pela exacerbação.

Fala-se de Carlos Ayres Britto, ex-presidente do STF, poeta, advogado, pessoa admirável. Toparia? Muito difícil. Confessa já ter dado sua contribuição à Pátria. Se disputasse e dispusesse de bom tempo de rádio e TV, atrairia imenso contingente.

O Brasil seria comandado por um homem de brio e respeito.

* Gaudêncio Torquato é jornalista, professor titular da USP, consultor político e de comunicação

 

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