O País caminha lentamente
Michel Temer deixa o governo desaprovado por um Brasil acostumado a versões fantasiosas. Qualquer analista responsável, ao comparar o país de ontem e o de hoje, enxergará abissal diferença: o de ontem, destroçado pela maior recessão econômica da história, e o da atualidade, com juros e inflação controlada, resgate da confiança, volta dos investimentos, contas sob controle e um conjunto de reformas, como a trabalhista, a do Ensino Médio e a PEC limitando gastos públicos.
O que explica a imagem negativa de Temer? O drible que parte da mídia patrocinou sobre um diálogo gravado no Palácio do Jaburu. O grupo mais poderoso do país bateu forte na interlocução mantida pelo presidente com um empresário. “Tem que manter isso, viu”? A fala anterior do figurante referia-se ao fato de “estar bem” com o então presidente da Câmara. E o que se viu foi a inferência: Temer se referia à entrega de dinheiro, coisa que “deveria ser mantida”. Com essa ilação, o presidente foi massacrado e o Brasil perdeu a chance de avançar nas reformas.
A lama que a Operação Lava Jato jogou na política convergiu para a figura do presidente. Que não se dobrou ao objetivo de tirá-lo da Presidência.
Embora com 13 milhões de desempregados, o País caminha lentamente, aprova pautas de relevo, alarga o acesso às privatizações, se entende com a União Europeia, assume compromissos com o G-20 e com os parceiros dos BRICs (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), reforça vínculos com a União Econômica Euroasiática, debate o clima no Acordo de Paris e valoriza o Mercosul.
Jair Bolsonaro vai comandar um Brasil que saiu do buraco em que foi deixado pelo petismo. Não navega ainda em águas calmas, ante as grandes carências das margens. Programas sociais, mesmo ampliados, como o Bolsa Família, não eliminaram a pobreza. E a violência campeia.
Mas os fundamentos da retomada econômica foram lançados. O empresariado recupera o fôlego para investir. A área de trabalho teve redução de 40% nas reclamações judiciais, graças à reforma trabalhista.
Parlamentar desde os idos de 80, presidente da Câmara por três vezes, Temer colocou em prática sua visão parlamentarista e abriu intensa articulação com o Congresso. Pode-se dizer que governou por meio de um semipresidencialismo. Aproximou-se de parlamentares e lideranças partidárias para aprovar reformas que marcam sua passagem pelo Planalto.
Constitucionalista, Michel Temer também deixa um legado ao Congresso. Trata-se de sua interpretação sistêmica à questão de trancamento de pauta por Medidas Provisórias. Quando presidia a Câmara em 2009, propôs esta solução ímpar na história constitucional: “Na verdade, o constituinte não quis sobrestar absolutamente todas as deliberações legislativas, mas apenas aquelas que também são previstas para Medida Provisória, ou seja, as demais espécies normativas não estão abrangidas na disposição do art. 62, § 6º, CRFB/88”. A tese deu mais autonomia ao Poder Legislativo na sua função primária, a atividade legislativa.
Michel deixará o Palácio do Planalto pela porta da frente.
*Gaudêncio Torquato é jornalista, professor titular da USP e consultor político