Ascensão de candidato autoritário faz parte do jogo
As democracias estão morrendo devagar. Líderes eleitos não se comprometem com os valores democráticos, como Donald Trump, o primeiro presidente dos EUA “com inclinações autoritárias” escolhido em cem anos, e pode ocorrer o mesmo no Brasil com eventual vitória do capitão da reserva Jair Bolsonaro, “candidato que tem palavras e comportamentos que não se adequam à democracia”. São palavras de Steven Levitsky, em recente entrevista ao jornal O Globo. Ele e Daniel Ziblatt, ambos professores de Harvard, são autores do livro “How Democracies Die” (“Como as Democracias Morrem”).
A hipótese corresponde efetivamente ao que se enxerga na moldura democrática internacional ou se trata de um fenômeno cíclico, cuja emergência ocorre ao longo da história das nações? A eleição de figuras polêmicas, de índole conservadora e com propensão autoritária, não faz parte do jogo democrático?
No caso brasileiro, vale lembrar que nossa incipiente democracia, ao longo da história, entremeou ciclos autoritários e democráticos.
A primeira Constituição, a de 1891, abrigava princípios libertários, com direitos individuais preservados até 1930, quando se abriu o ciclo ditatorial de Vargas, cujos desajustes conduziram à centralização autoritária expressa na Constituição de 1937.
Os anos de arbítrio se estenderam até 1945, quando o país ganhou a Carta Magna de 1946, reabrindo as portas da democracia. Sua vigência se deu até o golpe militar de 1964, que durou 21 anos, terminando em 1985. Em 1988, inaugura-se o ciclo da redemocratização, e o país fortalece o escopo da cidadania com a Constituição mais avançada de sua história.
Portanto, a intermitência entre liberdades e opressão, autoritarismo e democracia, ao que se constata, faz parte do abecedário político da maioria dos países da América Latina, que não possuem instituições capazes de representar os múltiplos interesses da sociedade organizada e de assegurar a consolidação democrática.
As crises econômicas, por seu lado, têm contribuído para agravar a governabilidade, gerando instabilidades cíclicas. Dessa forma, os sistemas democráticos do continente, que o cientista político argentino Guilherme O’Donnell designa de democracia delegativa, acabam se fragilizando.
Urge lembrar que até a velha Europa vê fenecer suas frentes democráticas, seja em função da crise propiciada pela globalização econômica, seja pelo arrefecimento dos mecanismos clássicos da política –crise das ideologias, dos partidos, dos Parlamentos, das oposições.
Ante essa moldura, o que esperar da democracia brasileira se não uma gangorra no sistema de mandos e comandos? Se o lulopetismo fez ou não bem ao país, que passe pelo teste das urnas. Se o bolsonarismo, com sua defesa autoritária, fará um bom governo caso seu ícone se eleja, é uma questão a ser respondida pelo eleitor. Esse é o jogo democrático. Sob essa crença, a democracia brasileira não está morrendo.
*Gaudêncio Torquato, jornalista, professor titular da USP e consultor político