Ernesto Araújo assumiu como novo ministro das Relações Exteriores em lugar de Aloysio Nunes em cerimônia no Itamaraty. ‘O Itamaraty existe para o Brasil e não para ordem global’, afirmou
Por Gustavo Garcia, do G1 — Brasília
O novo ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, atacou o “globalismo” ao assumir o cargo nesta quarta-feira (2). “Não mergulhemos nessa piscina sem água que é a ordem global”, afirmou emn discurso o novo chanceler. Segundo ele, o Itamaraty “existe para o Brasil e não para a ordem global”.
Araújo discursou por cerca de 30 minutos em cerimônia de transmissão do cargo na sede do ministério. Ele sucede Aloysio Nunes, que ocupou o posto no governo Michel Temer. Entre os presentes à cerimônia, estavam o presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, o senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), alguns ministros, chefes de missões diplomáticas, embaixadores, servidores e o senador e ex-presidente da República Fernando Collor, presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado.
“Não mergulhemos nesta piscina sem água que é a ordem global. O Itamaraty existe para o Brasil, não existe para a ordem global”, afirmou o chanceler.
Ele disse também que o Brasil não pedirá permissão à ordem global.
‘Não estamos aqui para trabalhar pela ordem global, estamos aqui pelo Brasil’, diz Araújo
“Por muito tempo, o Brasil dizia o que achava que devia dizer. Era um país que falava para agradar aos administradores da ordem global. Queríamos ser bom aluno na escola do globalismo e achávamos que isso era tudo. Éramos um país inferior. Mas o Brasil volta a dizer o que sente e a sentir o que é”, acrescentou.
Araújo já manifestava a crítica ao globalismo antes mesmo de ser escolhido ministro. Em um blog pessoal, escreveu: “Globalismo é a globalização econômica que passou a ser pilotada pelo marxismo cultural”. Segundo o texto, “é um sistema anti-humano e anticristão. A fé em Cristo significa, hoje, lutar contra o globalismo”.
“Algumas pessoas dirão que o Brasil não é isso tudo. Dirão que o Brasil não tem capacidade de influir nos destinos do mundo, de defender os valores maiores da humanidade, que devemos apenas exportar produtos e atrair investimentos, pois afinal somos apenas um país quieto e pacífico, mas não temos poder para nada […]. Mas o Brasil responderá: ‘Eu sei quem eu sou’”, disse.
“Somos um país universalista, é certo, e, a partir desse universalismo, iremos construir algo bom e produtivo com cada parceiro. Mas universalismo não significa não ter opiniões, não significa que devemos agradar a todos. Queremos ser escutados, mas não por repetir alguns dogmas insignificantes e algumas frases assépticas. Queremos ser escutados por ter algo a dizer”, completou.
Escolhido por Jair Bolsonaro para comandar o ministério, ele disse que o novo presidente “libertará” o Brasil por meio da “verdade”. “O presidente Jair Bolsonaro chegou até aqui porque diz o que sente, porque diz a verdade”, declarou.
Diplomata, Araújo iniciou a carreira no Itamaraty em 1991 e, no ano passado, chegou ao posto de embaixador. Ele já atuou nas embaixadas do Brasil em Washington (Estados Unidos) e em Ottawa (Canadá).
Segundo Araújo, a política externa do Brasil “vem se atrofiando com medo de ser criticada”. “Não tenham medo de ser criticados”, afirmou.
No discurso – com trechos em grego e tupi, e citações a Renato Russo e Raul Seixas – Araújo também disse que o Itamaraty terá, a partir de agora, “um perfil mais engajado” na promoção do agronegócio, do comércio, dos investimentos e da tecnologia.
“O Itamaraty havia se distanciado do setor produtivo nacional. Mas agora estaremos juntos com o setor produtivo nacional como nunca estivemos”, afirmou.
Em outro momento, Araújo teceu críticas ao Ministério das Relações Exteriores. “Nós nos apegamos muito à nossa autoimagem e fizemos dela uma espécie de mito. Nós nos olhamos no espelho, dizendo que somos o máximo, dizendo que os governos não nos entendem, mas que o Itamaraty está acima dos governos. Nós nos tornamos diplomatas que fazem coisas que só são importantes para outros diplomatas. E isso precisa acabar”, afirmou.
No discurso, Ernesto Araújo citou Israel, disse que admira o país porque nunca deixou de ser uma nação, mesmo quando não tinha solo.
Disse também que admira os Estados Unidos, que cultuam os seus heróis, e os países latino-americanos que “se libertaram dos regimes do Foro de São Paulo”.
Nesta quarta-feira (2), um trecho de uma medida provisória editada pelo presidente Jair Bolsonaro abriu brecha, na avaliação de técnicos do Ministério das Relações Exteriores, para que não diplomatas possam ocupar cargos de chefia na pasta.
Segundo técnicos ouvidos pelo colunista do G1 Matheus Leitão, com a MP, a pasta terá a possibilidade de nomear pessoas de fora da carreira para cargos como os de subsecretário, diretores de departamento, chefes de divisão e cargos de assessoria mais altos dentro do ministério.
Pelo Twitter, Araújo negou flexibilização das regras e afirmou que as hipóteses de nomeação para cargos em comissão e funções de chefia do MRE “são rigorosamente idênticas àquelas anteriormente vigentes”.
Na cerimônia desta quarta, ele voltou a tocar no assunto.
“Não precisamos e não vamos abrir os cargos do Itamaraty para pessoas de fora da carreira […]. O presidente Bolsonaro confia na capacidade desta Casa, dessa carreira […]. Nós simplesmente tomamos uma medida de flexibilizar a ocupação de cargos do Itamaraty por funcionários da carreira”, declarou.
Em 2018, já indicado por Bolsonaro, Araújo afirmou, em uma rede social, que o Brasil sairá do pacto da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre migração.
“O governo Bolsonaro se desassociará do pacto global de migração, um instrumento inadequado para lidar com o problema. A imigração não deve ser tratada como questão global, mas sim de acordo com a realidade e a soberania de cada país”, disse em dezembro de 2018.
“O pacto é bom, é positivo e eu espero a reflexão do próximo presidente, de sua equipe, que possa afastar algumas alegações que, no meu entender, não se sustentam como, por exemplo, a alegação de que o pacto se sobrepõe à soberania nacional”, afirmou à época.
Crítico do PT e de governos de esquerda, Araújo já demonstrou alinhamento ao presidente dos Estados Unidos, o republicano Donald Trump. Para o novo chanceler, o presidente norte-americano “desafia a maneira usual de pensar”. “Aceitamos esse desafio”, afirmou.