Nelson Teich avisou Bolsonaro que não poderia mudar o protocolo sem comprovação científica
Natália Cancian e Talita Fernandes, da Folha de S. Paulo
A dois dias de completar um mês no cargo, o ministro da Saúde, Nelson Teich, pediu demissão nesta sexta (15), informou o próprio ministério.
Uma coletiva de imprensa será marcada nesta tarde, de acordo com a pasta.
Em sua breve passagem pelo cargo, Teich teve poder como ministro minimizado pelo presidente Jair Bolsonaro.
Na segunda (11), foi informado pela imprensa de decisão do presidente de aumentar a lista de atividades essenciais com salões de beleza, academias e barbearias, mostrou-se surpreso e virou alvo de memes. A postura surpresa reforçou a visão de que o ministro estava afastado de decisões que interferem em recomendações da Saúde.
Também foi enquadrado por Bolsonaro a ampliar o uso da cloroquina para pacientes com quadros leves da Covid-19, apesar da falta de evidências científicas do medicamento para o novo coronavírus. Estudos recentes internacionais, publicados em revistas científicas de prestígio, não mostraram benefícios da droga em reduzir internações e mortes e apontaram riscos cardíacos.
As divergências sobre o uso da droga foram consideradas a gota d’água para a saída de Teich.
Teich avisou Bolsonaro nesta sexta (15) que não poderia mudar o protocolo sem comprovação científica sobre a eficácia da cloroquina no início do tratamento.
Em uma teleconferência com grandes empresários organizada na quinta-feira (14) pelo presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), Paulo Skaf, Bolsonaro afirmou que o protocolo sobre o uso da cloroquina “pode e vai mudar”.
“Agora votaram em mim para eu decidir e essa questão da cloroquina passa por mim. Está tudo bem com o ministro da Saúde [Nelson Teich], sem problema nenhum, acredito no trabalho dele. Mas essa questão da cloroquina vamos resolver. Não pode o protocolo —de 31 de março agora, quando estava o ministro da saúde anterior [Luiz Henrique Mandetta]— dizendo que só pode usar em caso grave… Não pode mudar o protocolo agora? Pode mudar e vai mudar”, declarou Bolsonaro.
“Cloroquina hoje ainda é uma incerteza. Houve estudos iniciais que sugeriram benefícios, mas existem estudos hoje que falam o contrário”, afirmou Nelson Teich em 29 de abril. “Os dados preliminares da China é que teve mortalidade alta e que o remédio não vai ser divisor de águas em relação à doença.”
Houve também cobrança por parte do governo sobre a demora dele em divulgar um plano mais flexível sobre isolamento.
Nelson Teich foi convidado por Bolsonaro para assumir a pasta com a expectativa de equilibrar as ações da pasta de forma a evitar mortes por coronavírus mas também minimizar o impacto econômico das medidas de restrição.
Inicialmente, chegou a dizer que o país “não sobrevive um ano parado” e defendeu um “plano de saída” do isolamento.
Em seguida, pressionado por parlamentares, passou a dizer que o ministério “nunca mudou” de posição sobre o distanciamento. Ainda assim, vinha defendendo que as medidas sejam avaliadas de acordo com o cenário de cada local.
O ministro chegou a programar o anúncio de um plano que previa diferentes níveis de distanciamento a serem aplicados por estados e municípios, com base na avaliação de diferentes indicadores.
A divulgação, porém, foi cancelada em cima da hora por falta de consenso com representantes de secretários estaduais e municipais de saúde. Essa foi a primeira derrota do ministro no cargo.
Desde que Teich assumiu o cargo, o governo já vinha ampliando o número de militares na gestão da saúde. O ministro também não chegou a definir sua equipe completa, deixando postos-chave na assistência sem definição.
Teich é o segundo ministro a deixar a Saúde em meio à pandemia. Juntamente com o impasse sobre o isolamento social, divergências sobre a aplicação da cloroquina e da hidroxicloroquina em pacientes da Covid-19 foram um dos principais pontos que levaram à demissão de Luiz Henrique Mandetta, em 16 de abril.
Internamente, o governo estuda que a pasta seja assumida pelo secretário-executivo, general Eduardo Pazuello.
Panelaços foram ouvidos em São Paulo e no Rio de Janeiro após o anúncio do ministro.