Ex-presidente tratou de corrupção e moralidade na política em evento em São Paulo
Marco Rodrigo Almeida, da Folha de S. Paulo
SÃO PAULO – Há no país um sentimento de medo que abre espaço para narrativas autoritárias, disse Fernando Henrique Cardoso nesta terça-feira (11) em São Paulo.
“Essa narrativa vai ganhar? Não sei. Depende das outras narrativas na disputa. Não quero entrar nessas especificidades.”
Sem citar nomes, o ex-presidente fez alguns comentários a respeito da corrida eleitoral durante palestra no evento Thomson Reuters Risk Summit, na capital paulista. O tema da conversa foi moralidade na política e combate à corrupção.
“Acusações de corrupção sempre houve na política. A indistinção do público e do privado é um traço cultural no país. Poder que não abusa não é poder, se dizia antigamente.”
Agora, diz ele, instituições e sociedade passam por transformações que a classe política ainda não compreendeu.
“A Constituição de 1988 conferiu independência ao Ministério Público. Desde então seus membros se capacitaram para servir a sociedade. E a partir desse trabalho as pessoas perceberam que as bases partidárias não eram saudáveis.”
Sobretudo com a Lava Jato revelou-se uma relação promíscua entre empresários, partidos e políticos, um “sistema de financiamento que se mostrou corrupto”.
“Vivemos um a fase desagradável, a população já não sabe mais em quem acreditar. E vivemos uma situação paradoxal. Os políticos presos continuam populares. Isso mostra que há um respaldo que vai além da classe política”
FHC também comentou as mudanças em curso nas democracias representativas. Antes, avaliou, os partidos espelhavam os interesses de classes e grupos sociais. Com a fragmentação da sociedade, esse vínculo quebrou-se, e as pessoas passaram a ter maior identificação com causas específicas ou movimentos sociais.
“Isso ocorre no mundo inteiro. Tradicionalmente Trump não seria presidente dos Estados Unidos, mas ele conseguiu expressar um sentimento de exclusão e derrota de uma parcela da sociedade. Mas algumas coisas dá para prever. Estava na França na eleição. Previ a vitória de Macron. Mas aqui não ganharia, é muito racional.”
O mundo político é imprevisível, define FHC, e essa é sua beleza e sua tragédia.
“Quem poderia imaginar que um candidato à Presidência seria esfaqueado? Ninguém sabe qual será a consequência disso.”
O ex-presidente disse que os candidatos precisam se esforçar para explicar a população as medidas impopulares de que o país necessita, como a reforma da Previdência.
Deu como exemplo sua experiência como ministro da Fazenda, cargo em que foi parar, disse em tom de gracejo, por um engano do então presidente Itamar Franco, uma vez que pouco sabia de economia.
Na elaboração do Plano Real, que derrotaria a inflação, o grande inimigo nacional na ocasião, contou ter montado uma equipe com os melhores quadros e ter buscado um canal de comunicação com diversos setores: empresários, acadêmicos, sindicatos – “até com Lula”.
Uma vez, relembrou, foi aos estúdios do SBT contar a Silvio Santos os fundamentos da nova moeda. Depois de pedir que o então ministro repetisse a explanação três, quatro vezes, o apresentador disse que faria uma adaptação do que ouviu para seu público, cuja idade mental seria de 12 anos.
Segundo FHC, Silvio Santos fez uma explicação brilhante —um exemplo que deveria ser seguido por todo político.
“Hoje os jornalistas perguntam os candidatos o que farão em relação ao teto de gastos. Eles não farão nadam, pois não há verba para gastar. E se fizerem dívida, aumenta a inflação.”