Historiador americano diz que surgiu no país corrente que não valoriza conquistas
Daniel Buarque, da Folha de S. Paulo
LONDRES – A democracia brasileira vive um momento paradoxal às vésperas de uma das eleições presidenciais mais cheias de incertezas, segundo o historiador americano Bryan McCann, professor da Universidade Georgetown.
Ao mesmo tempo em que há espaço para celebrar as conquistas de três décadas desde o fim da ditadura, o país também vive a angústia de ver o crescimento de um movimento que ameaça o pluralismo democrático do país, afirma McCann.
“Surgiu um setor da população brasileira que não respeita essa democracia plural, que não valoriza as conquistas dos últimos 30 anos e pensa apenas na crise mais recente”, disse.
Para o professor, a candidatura de Jair Bolsonaro (PSL) é fruto desse pensamento, pois trata-se de “alguém que concorre em uma eleição democrática, mas com saudade da ditadura”, disse.
A eleição presidencial está sendo chamada de a mais imprevisível da história recente no país. Concorda ou acha que as coisas estão começando a se desenhar de forma mais clara?
Sim, concordo. Não só imprevisível, como acho angustiante. E devemos fazer uma reflexão sobre os últimos 30 anos. Sim, é verdade que ao longo dos últimos três anos o Brasil está em crise, mas ao longo de três décadas o Brasil alcançou avanços enormes por causa da consolidação e da construção de uma democracia plural. A eleição é um momento angustiante para a democracia brasileira.
Em que sentido?
Uma democracia plural tem que ter representação de várias tendências no governo, mas o momento atual é angustiante porque surgiu um setor da população brasileira que não respeita essa democracia plural, que não valoriza as conquistas dos últimos 30 anos e pensa apenas na crise mais recente. A candidatura de Jair Bolsonaro é fruto desse pensamento.
Isso é ruim para a democracia?
Ele é um risco para a democracia brasileira. Como não sou cidadão brasileiro, não tenho um candidato para apoiar na eleição, mas eu votaria em qualquer um contra Bolsonaro. Ele não respeita essa democracia e fala abertamente que respeita mais o tipo de regime que o Brasil tinha durante a ditadura.
A revista The Economist diz que Bolsonaro é um perigo para a democracia. Qual a percepção internacional a respeito da candidatura dele?
Mais recentemente ele tem recebido uma maior atenção, sendo comparado a Donald Trump e ao [presidente das Filipinas] Rodrigo Duterte, alguém que tem possibilidade de fazer muito estrago. A cobertura jornalística nos EUA tem sido muito crítica a Bolsonaro, mostrando ele como alguém que concorre em uma eleição democrática, mas com saudade da ditadura.
Considerando o quadro atual de coligações entre partidos, em que Bolsonaro vai receber pouca verba e vai ter pouco tempo de TV, acha que ele tem chances reais de vencer a eleição?
Acho que sim. Depois da vitória do ‘brexit’ e da eleição de Trump, o que temos visto nos últimos anos é um mundo político em que um movimento populista que simplesmente quer acabar com a situação atual e quebrar a casa pode vencer, sim.
O ex-presidente Lula está preso e foi anunciado oficialmente como candidato a presidente. Como isso se encaixa na história política dele no Brasil?
Lula tem uma importância histórica imensa para o Brasil. A questão principal agora é tentar entender como essa importância dele vai ter influência na eleição. Acho que a candidatura dele vai ser barrada, mas acredito que ele tenha grande poder de transferência de votos. E mesmo se o candidato dele não conseguir passar ao segundo turno, Lula ainda terá capacidade de transferir votos no segundo turno, para o candidato que tiver mais proximidade.
O momento atual tem paralelo na história do país?
Para os historiadores, lembra a eleição de 1945, quando Getúlio Vargas teve poder de transferência de votos que acabou com o resultado da eleição do Dutra. Foi Getúlio que levou à eleição de Dutra. Lula vai ter este tipo de poder em 2018, e falta saber para quem vão acabar indo esses votos.
Há quem compare o momento atual à eleição de 1989. O que acha?
Há semelhanças com 1989, sim. Na época, [Leonel] Brizola e Lula acabaram dividindo o voto da esquerda. Hoje em dia é até mais difícil, pois não tem um candidato claro da esquerda.
A manobra do PT que isolou Ciro Gomes [PDT] pode ser vista como uma lição para evitar a divisão de 89?
A esquerda brasileira aparentemente não aprendeu a lição. Não vemos agora uma união de forças contra o Bolsonaro, por exemplo. Vemos Ciro e Lula disputarem, e mesmo dentro do PT tem tendências disputando espaço.
Como tem sido vista fora do Brasil a candidatura de Lula, que está preso?
Isso gera um pouco de dúvidas e incertezas. Não existe uma percepção geral de que Lula foi injustiçado, entretanto. Mesmo entre as pessoas bem informadas sobre política global. O que há é uma incerteza sobre o que está acontecendo, como ele pode ser candidato, e uma ideia de que no fim ele não vai poder concorrer, então o partido dele vai ter que apoiar outro nome.