Para José Alexandre Scheinkman, crise fiscal que assola o país vem sendo ignorada na campanha
Por Érica Fraga
A opinião é do economista brasileiro José Alexandre Scheinkman, 70, professor da Universidade Columbia, nos Estados Unidos. Entre os presidenciáveis cujas ideias são criticadas pelo pesquisador, está Ciro Gomes (PDT), a quem Scheinkman assessorou no pleito de 2002.
Na época, a contribuição culminou na elaboração da chamada “Agenda Perdida”, compilação de ideias de vários especialistas, que teve pontos adotados pelo governo Lula.
Entre as propostas atuais de Ciro que Scheinkman considera equivocadas está a recriação de um imposto sobre movimentações financeiras.
“Essa taxa, por ser em cascata, aumenta a distorção na economia”, diz.
Ele também criticou a promessa de Jair Bolsonaro (PSL) de resolver o déficit fiscal no próximo ano, por considerá-la inviável. Para o economista, a eleição do capitão reformado representaria um formidável retrocesso para o Brasil.
Geraldo Alckmin (PSDB) e Marina Silva (Rede) são, na opinião do economista, os candidatos mais cientes das medidas que precisam ser adotadas para resolver a crise fiscal brasileira.
Em 2016, o sr. disse à Folha que a repetição de erros cometidos pelo Brasil o fazia lembrar o filme “Feitiço do tempo”, em que um homem vive o mesmo dia várias vezes. Ainda tem essa impressão?
Sim. As propostas da campanha presidencial mostram que alguns candidatos estão prometendo repetir os mesmos erros do passado, como a ideia de que o Estado precisa proteger a economia. Políticas assim criaram uma série de problemas, mas acho que as pessoas esquecem.
O Plano Real foi muito importante. Mas a verdade é que só acabar com a inflação não foi a chave mágica para o Brasil crescer. E o nosso desafio é a questão da produtividade. Nós fazemos as coisas pior do que os outros países, e cada vez pior.
Por que o país não avançou?
O governo precisa criar o ambiente para que as firmas aumentem sua produtividade. Acho que, em parte, isso não aconteceu exatamente pelo que a gente falou sobre o filme, vamos voltando aos mesmos problemas.
O país tinha, de uma certa maneira, equacionado seu problema fiscal no final do Plano Real, mas a partir principalmente do segundo governo Lula —e certamente do primeiro governo Dilma [Rousseff] em diante—, a gente retomou o caminho de tentar resolver todos os nossos problemas gastando mais do que arrecadava. E, quando você escuta os detalhes dos programas de alguns candidatos, eles também falam em gastar mais.
Deixe-me colocar de outra maneira. Acho que existe uma crise fiscal importante no Brasil e acho que, na discussão da eleição, essa crise fiscal está sendo ignorada em vários graus pelos diferentes candidatos. Ou, então, eles apresentam soluções mágicas, como a de que vão acabar com o déficit fiscal no ano que vem, coisa que você sabe que não vai acontecer.
O sr. vê esse problema em todos os programas dos candidatos que lideram as pesquisas?
Acho que as assessorias econômicas de Alckmin e Marina estão mais conscientes do que é preciso fazer. Não adianta só falar do problema fiscal; outros candidatos também falam, mas é preciso ter ideia do que pode ser feito.
Há promessa de que, no ano que vem, acabam todos os nossos problemas porque vão vender todas as estatais, o que obviamente não é uma coisa possível porque enfrentaria resistência no Congresso, ou de resolver o déficit da Previdência instituindo o sistema de capitalização.
Que questões mais urgentes o sr. acha que Alckmin e Marina entendem melhor?
A reforma da Previdência não vai poder ser muito diferente do que foi proposto pelo governo [de Michel] Temer. Obviamente, há detalhes que podem ser alterados, mas é necessário instituir uma idade mínima para a aposentadoria porque há um problema demográfico.
Precisamos decidir o que fazer a respeito das diferenças em relação a mulheres e homens. O Brasil é um dos poucos países que fazem essa diferenciação. Evidentemente, as pessoas reconhecem que a mulher tem muitas tarefas fora do trabalho, mas a contrapartida disso é que vivem mais do que os homens.
E há o problema dos regimes especiais que, essencialmente, se referem a uma parte do funcionalismo público que tem uma aposentadoria não compatível com a riqueza do Estado brasileiro.
Por que a recuperação da economia tem sido decepcionante, apesar de algumas mudanças feitas pela gestão Temer?
Algumas medidas terão efeito de mais longo prazo, como a reforma trabalhista. A condução da política monetária mudou muito. Vínhamos de um Banco Central conduzido de forma muito política e mudamos para um que teve realmente independência. Baixamos nosso patamar de inflação e os juros reais. Isso vai ajudar o processo de investimento.
O teto dos gastos é um negócio interessante porque supostamente é uma alavanca para certas reformas fiscais e, infelizmente, ele aconteceu, mas as reformas fiscais necessárias para sustentá-lo não ocorreram. No curto prazo, o teto teve um efeito negativo sobre investimentos, porque é a única coisa flexível do lado do gasto.
Vai ser inevitável aumentar impostos?
Esse é outro problema. Várias das propostas [das campanhas] têm pautas como imposto sobre o cheque. Na época do Plano Real, o Estado brasileiro coletava [em impostos] o equivalente a 24% do PIB (Produto Interno Bruto). Hoje, a carga tributária é 33% do PIB. A pergunta para esses candidatos é: aumentamos nove pontos do PIB em impostos, que problemas do Brasil resolvemos com isso? Um terço da carga tributária, sem ter o que mostrar. Aí, você fica propondo mais impostos.
Alguns dos pontos que o sr. critica são defendidos pelo candidato Ciro Gomes. As propostas dele hoje estão muito distantes da “Agenda Perdida”?
Eu leio as coisas no jornal, o que dizem os economistas ligados à campanha. Não tenho nenhum contato com o Ciro. Então, é difícil eu julgar.
Acho que, evidentemente, as políticas sociais do Bolsonaro representariam um formidável retrocesso e o seu histórico como parlamentar contradiz o seu discurso econômico atual.
Mas vou falar do exemplo da capitalização da Previdência. Não há nada de errado com você visar a isso. Mas não resolve o problema atual ou talvez o faça ainda mais agudo. As pensões das pessoas que já ganharam com base no sistema antigo são pagas com a contribuição dos empregados atuais. Se a previdência for capitalizada, essas pessoas não vão contribuir mais.
Parte do que nós discutimos na Agenda é que são necessários impostos que não distorçam a economia mais ainda. A taxa sobre movimentação financeira, por ser em cascata, aumenta a distorção na economia. Então, evidentemente, isso vai completamente contra o tipo de proposta que eu fiz na agenda.
Quanto à capitalização da Previdência, não foi só o Ciro que falou isso. De uma certa maneira, é falta de uma pessoa fazer as contas que são necessárias para entender o problema.
Por que a eleição de Bolsonaro seria um retrocesso?
O Brasil, de fato, precisa de uma nova política de segurança e fracassou nessa agenda com governos de vários matizes. Agora, um dos problemas graves que temos é que a polícia mata muito. Então, dar uma licença para a polícia matar com mais facilidade não vai resolver nosso problema de criminalidade.
Outra coisa que me preocupa nesse discurso é o seguinte: o Brasil teve políticas discriminatórias contra certos grupos e ainda hoje, quando você tenta explicar os salários das pessoas, depois de corrigir por educação, onde eles moram etc., raça ainda conta. Então, você precisa ter certas políticas de afirmação enquanto a universidade for gratuita.
Como resolver o problema do atraso da produtividade que já era urgente há décadas e só se torna pior?
Temos de melhorar muito a infraestrutura do país. A gente poderia ter um sistema em que o setor privado contribuísse mais, mas, para isso, é preciso criar um arcabouço jurídico que o deixe à vontade.
Outra maneira é se integrar mais à economia mundial. Vários avanços tecnológicos entram no setor produtivo através da compra de insumos, bens de capital, de parcerias, etc. Em relação ao PIB, o Brasil comercializa muito pouco com o resto do mundo.
Uma grande dificuldade é que há setores que se beneficiam muito desse fechamento. Um exemplo claro é a indústria automobilística, que consegue vender carros caros —em relação à qualidade— no Brasil porque não tem concorrência.
O outro problema é nosso sistema de impostos. Tentar entender a legislação de ICMS [Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços] é impossível. Além disso, o sistema tributário atual beneficia muito as firmas pequenas, em geral menos eficientes.
Agora, qualquer reforma vai encontrar resistência. Algumas são legítimas. Acho legítimo, por exemplo, que, se uma abertura econômica afetar o emprego em certas áreas, a gente pense num programa que ajude esses trabalhadores até que ocorra uma realocação.
Agora, isso não quer dizer que você tem de pegar um empresário e dizer: ‘Olha, você se beneficiou desse programa por 20 anos. Agora terá mais de 10 anos de proteção antes de perdê-lo’. Isso é um absurdo, né?
José Alexandre Scheinkman, 70, Doutor em economia pela Universidade de Rochester, é professor de economia da Universidade Columbia, em Nova York, e professor emérito da Universidade de Princeton, também nos EUA. Atua ainda como pesquisador associado do centro de pesquisa americano Nber