Reviravolta no placar que barrou reeleição da cúpula do Congresso é creditada à pressão da opinião pública
Julia Chaib, Matheus Teixeira e Gustavo Uribe, da Folha de S. Paulo
O voto de Luiz Fux no julgamento que vedou a possibilidade de reeleição da atual cúpula do Congresso intensificou o racha entre as alas do Supremo Tribunal Federal e, como consequência, deve gerar empecilhos para sua gestão na presidência da corte.
Em conversas reservadas, ministros falam em “inviabilizar o plenário”, caso discordem da pauta encampada por Fux, e ameaçam se opor a medidas administrativas defendidas pelo presidente do Supremo.
Fux divergiu do relator, ministro Gilmar Mendes, e votou na noite deste domingo (6) para declarar inconstitucional a recondução de parlamentares ao comando das Casas dentro da mesma legislatura.
Os ministros Luís Roberto Barroso e Luiz Edson Fachin votaram da mesma forma e em horário aproximado, o que foi interpretado internamente como uma evidência de que eles atuam em grupo.
Os magistrados defenderam que a Constituição é clara ao vetar a reeleição e formaram maioria contra o entendimento de Gilmar, que atropelava a Carta ao interpretar a vedação à recondução como uma autorização à medida.
O placar ficou em 6 a 5 contra a reeleição de Alcolumbre, e 7 a 4 contra a de Maia.[ x ]
O maior problema, segundo três ministros ouvidos pela Folha em caráter reservado, é que, diferentemente de Fachin, os ministros Fux e Barroso haviam se comprometido a acompanhar Gilmar, que liberava a recondução de Davi Alcolumbre (DEM-AP) e Rodrigo Maia (DEM-RJ) nas presidências do Senado e da Câmara, respectivamente.
Ambos os magistrados, afirmam integrantes do Judiciário e do Legislativo, chegaram a verbalizar a ministros e senadores que votariam a favor da tese que abriria caminho para os parlamentares buscarem a recondução.
Gilmar, inclusive, só teria decidido pautar a matéria porque tinha a certeza da maioria dos ministros do tribunal, dizem pessoas próximas.
A interlocutores Barroso afirmou que não se comprometeu em autorizar a reeleição e que apenas disse que iria refletir sobre o tema e que não tinha posição firmada a respeito. Auxiliares e aliados de Fux se mantiveram em silêncio nesta segunda-feira (7).
Ministros dizem que começaram a suspeitar que Fux poderia ceder à pressão contra o atropelo à Constituição quando demorou a votar no plenário virtual, uma vez que o relator e os quatro colegas que o acompanharam votaram na sexta (4), primeiro dia do julgamento.
O adiamento da apresentação do voto do presidente do STF, que em tese já estava definido, causou estranhamento e, quando foi publicado, gerou revolta entre magistrados.
O mal-estar, avaliam ministros, vai gerar consequências práticas e negativas para a gestão de Fux. Magistrados classificaram como traição a atitude do ministro.
Além de acirrar ainda mais a relação com a ala contrária à Lava Jato, formada pelos ministros Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski, Fux também se indispôs com Alexandre de Moraes.
Moraes é visto hoje como um ator importante da corte porque é relator de temas relevantes, não tem posição pré-definida em julgamentos criminais e costuma ser uma espécie de fiel da balança em discussões de peso.
Assim, o presidente pode ter perdido um aliado essencial para formar maioria em direção aos rumos que pretende dar para o STF.
Uma decisão de Moraes desta segunda-feira foi interpretada, na visão de outros colegas, como tendo o objetivo de jogar no colo de Fux um problema a ser resolvido.
O magistrado rejeitou o pedido do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) para que o inquérito contra ele fosse enviado à Polícia Federal para conclusão.
Além disso, Moraes ressaltou que o chefe do Executivo não tem o direito, nesta etapa do processo, de decidir que não prestará o depoimento.
O ministro afirmou que isso só será definido após o plenário da corte deliberar se o presidente da República tem o direito de prestar depoimento por escrito ou se a oitiva deve ser presencial. O caso apura suposta interferência de Bolsonaro na PF.
O magistrado reconheceu a existência do direito ao silêncio e da garantia de não autoincriminação de qualquer alvo de inquérito, mas ponderou que a lei “não possibilita aos investigados a escolha prévia e abstrata sobre a realização de atos investigatórios; sob pena de total desvirtuamento das normas processuais penais”.
Moraes mandou oficiar Fux para que o tema seja pautado e ressaltou que o inquérito está paralisado desde 8 de outubro porque o plenário não decide se Bolsonaro tem ou não a prerrogativa de depor por escrito.
A gestão de Fux também deverá sofrer impactos em outras frentes.
Na semana passada, por exemplo, o presidente da corte tentou levar à análise dos pares uma proposta de mudança no regimento para tornar automático o julgamento das decisões individuais liminares (provisórias) pelo plenário, mas teve de recuar porque não conseguiu votos suficientes para aprovar o que queria.
Essa é uma das principais medidas que Fux pretende tomar e, agora, deve ter mais dificuldades para ser aprovada. Ele tem dito que a remessa obrigatória ao plenário irá acabar com a monocratização do STF e, com isso, ele deixará a presidência em 2021 tendo conseguido reinstitucionalizar a corte.
A tendência é que a partir de agora ele não consiga mesmo respaldo ao que quer aprovar. Outra marca que ele pretendia deixar na sua gestão era o aumento de condenações criminais de políticos envolvidos na Lava Jato.
Para isso, Fux articulou a aprovação de uma emenda regimental que retirou o julgamento das ações penais das turmas da corte, que vinham impondo diversas derrotas à operação, principalmente a Segunda Turma, e enviou os casos ao plenário.
A análise desses processos costuma ser demorados, por envolver discussão de provas e dosimetria de pena, e a ideia do presidente era remeter boa parte delas ao plenário virtual.
Agora, porém, ministros prometem pedir destaque nesses processos, o que força a ida ao julgamento presencial, atualmente realizado por videoconferência, que é mais lento e acontece apenas duas vezes por semana.
E, mesmo no plenário físico, integrantes da corte prometem apresentar pedidos de vista em matérias de interesse do presidente do Supremo. Magistrados ainda vão fazer pressão para que ele leve ao plenário os processos que tratam da criação dos juiz das garantias.
Tanto ministros de tribunais superiores quanto o meio político creditaram a reviravolta no placar no STF à influência da opinião pública e da imprensa a respeito da mudança que o tribunal poderia autorizar.
O cenário passou a mudar no final de semana, depois de Fux e Barroso receberem diversas críticas por eventual voto em desacordo com a Constituição, que é expressa ao vetar a reeleição dos presidentes de cada Casa —isso só é permitido em legislaturas diferentes.
Relator do caso, Gilmar defendeu que a reeleição deveria ser autorizada em respeito à separação de Poderes e porque o dispositivo “nunca fora princípio estruturante do Estado brasileiro, ou elemento normativo central para a manutenção da ordem democrática”.
O trecho da Constituição que trata do tema é claro e, conforme a maioria do tribunal, não dá margem para interpretação: “Cada uma das Casas reunir-se-á em sessões preparatórias, a partir de 1º de fevereiro, no primeiro ano da legislatura, para a posse de seus membros e eleição das respectivas Mesas, para mandato de 2 (dois) anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente”.