Na avaliação de economista, o Ministério da Educação se eximiu de coordenar a política educacional ao longo do pandêmico 2020
Érica Fraga, da Folha de S. Paulo
O Ministério da Educação se eximiu de seu papel de coordenar iniciativas que pudessem mitigar os efeitos negativos da crise atual, como um possível aumento na evasão escolar de jovens em consequência do isolamento social.
Essa é a opinião do economista Ricardo Henriques, 60, superintendente-executivo do Instituto Unibanco, instituição que apoia governos estaduais e municipais em projetos principalmente para melhorar a gestão educacional.
“A economia das instituições nos ensinou há décadas que, nas crises, você precisa de mais coordenação. No caso da educação no Brasil, ocorreu o contrário disso. O MEC saiu de cena”, disse Henriques à Folha.
Uma retomada desse papel de coordenação das políticas educacionais seria crucial para melhorar as perspectivas futuras dos jovens brasileiros que estão prestes a deixar a escola, segundo o economista, que coordenou a implementação do Bolsa Família, de 2003 a 2004, quando foi secretário-executivo do Ministério de Assistência Social.
Ele defende uma agenda que combine o combate à evasão com uma oferta relâmpago de cursos profissionalizantes no curto prazo. Sem isso, há o risco de aumento do desemprego estrutural dos jovens, segundo Henriques, que, no entanto, não é otimista em relação a ações do governo federal nessa direção.
Por que os jovens sofrem mais do que outras faixas etárias nas crises?
A primeira razão é que, em períodos de crise, o mercado de trabalho tende a buscar pessoas com mais experiência. A segunda que, na crise, você diminui o investimento em treinamento, que é muito importante para uma maior mobilidade futura dos jovens dentro das empresas.
O não engajamento no mercado de trabalho assim que você se torna disponível, seja saindo do ensino médio seja no pós-universidade, tende em geral a criar mais vínculos informais. Isso te distancia do mercado mais estruturado e dificulta o desenvolvimento tanto de competências específicas a certas ocupações quanto de práticas gerais associadas ao mundo do trabalho. Isso não é uma exclusividade do Brasil, acontece no mundo todo.
A juventude que vive crises muito vorazes tem inserções mais precárias do que as juventudes anteriores e posteriores.
Há características estruturais do Brasil que aumentem os impactos nocivos dos períodos de crise para os jovens?
O fato de que o Brasil não criou, sobretudo nos últimos 30 anos, uma formação técnica em larga escala para a juventude diminui ainda mais as oportunidades para os jovens. Essa é uma diferença importante nossa em relação a alguns outros países. Desenvolvemos um traço estrutural binário de ou concluir o ensino médio tradicional ou ir para a universidade.
A reforma do ensino médio busca endereçar isso ao criar a opção de itinerários, que incluem a possibilidade de uma formação técnica. Mas não deu tempo ainda dessas mudanças começarem a sair do papel. Se elas começarem, como o esperado, no próximo ano e mantiverem um ritmo razoável, teremos uma quantidade maior de jovens entrando na rota do ensino profissionalizante por volta de 2023.
Que política pública existente pode ajudar a mitigar os efeitos desses anos de crise sobre a geração jovem atual?
Há muito pouco. A política de cotas e de financiamento privado aumentou o contingente de 18 a 24 anos que vai para a universidade, mas o patamar é ainda muito inferior ao que gostaríamos. E, para alguns, que não vão para o ensino superior, há a possibilidade de uma formação técnica, pós-ensino médio, sobretudo no sistema S, mas concentrada no Senai.
A situação é ainda mais grave quando percebemos que a crise atual também implicará uma reconfiguração do mundo do trabalho, já que ela impulsionou ainda mais as empresas mais intensivas em tecnologia, que demandarão mão de obra técnica em uma escala muito maior do que a gente tem.
Ou seja, se não investirmos em uma formação técnica e profissionalizante intensa, o caráter estrutural do desemprego desses jovens vai aumentar.
O que pode ser feito, principalmente em relação aos jovens mais vulneráveis, no curtíssimo prazo?
Neste ano e no próximo, é fundamental uma política de busca ativa e intensa dos jovens que estão na iminência de abandonar a escola. Seria importante ter apoio do governo federal para isso, mas os governos estaduais precisam de uma política muito intensa de manutenção e regresso para a escola, porque o tamanho do buraco pode ser maior do que estamos prevendo.
Dado o tamanho da crise, é importante também começarmos a pensar em programas específicos de renda e de formação pós-ensino médio. Poderia ocorrer uma parceria mais estruturada do governo federal com o sistema S e os governos estaduais para oferecer aos jovens mais vulneráveis bolsas de estudo para uma formação pós-ensino médio. Precisaríamos de uma blitz para esse período de 2021 a 2023. Acho que isso deveria ser feito, mas não sou muito otimista de que esse governo venha a fazer isso.
Por que o sr. não é otimista?
Não parece ter muitos vetores nessa direção. Mas a ideia de alguns estados de ofertar o quarto ano do ensino médio para os jovens que podem continuar estudando é uma possibilidade interessante. Para quem não tiver essa chance, é melhor se formar em 2020 do que abandonar os estudos. Mas aqueles que puderem ficar mais um ano estudando terão perspectivas melhores.
Como o Instituto Unibanco adaptou seus programas, como o Jovem de Futuro, neste ano?
Como a gente tem muita metodologia de gestão da escola, ainda em março fizemos uma adaptação para práticas mais ágeis, instituindo gabinetes de crise com as secretarias das quais somos parceiros e criando várias adaptações, por um lado, para o ensino remoto e, por outro, para essa retomada do ensino híbrido.
Como o sr. avalia a resposta das diferentes redes de ensino do país à pandemia?
Houve heterogeneidade, mas acho que o copo cheio dessa história é que houve uma grande adaptação tanto de estados como de municípios, sobretudo os grandes, correlata à ausência do Ministério da Educação. O ministério se eximiu de ser um ator que tivesse relevância para os contornos da política educacional ao longo de 2020.
Mas os estados e os municípios assumiram a responsabilidade sobre isso e criaram desenhos adequados cada um à sua realidade, garantindo desde a segurança alimentar —que é um baita desafio fora do contexto das aulas presenciais— até a provisão das mais variadas formas de aulas.
E isso aconteceu sem coordenação alguma do Ministério da Educação, que não instituiu um gabinete de crise, não aproveitou para coletar informações dos estados e municípios e, com isso, gerar conhecimento novo.
Esse empoderamento dos estados e municípios aumenta sua capacidade de instituir a agenda de reformas prevista para os próximos anos?
Acho que sim, tomara que sim. Mas temos que tomar cuidado porque não podemos prescindir da ideia de um sistema nacional de educação. Até porque redes estaduais mais empoderadas solicitariam incidências mais finas, sutis e sofisticadas do Ministério da Educação.
É um regime federativo. É cada vez mais necessário um sistema integrado e articulado.
Que risco corremos se essa articulação não ocorrer?
Menor geração de conhecimento, menor troca de boas práticas, criação de obstáculos desnecessários. Você vai ficar ao bel prazer do secretário do Pará querer conversar com o secretário do Paraná para saber o que aconteceu. Já um sistema que funcione bem gera um repositório de práticas, gera análise sobre isso, produz protocolos, dissemina conhecimento.
A economia das instituições nos ensinou há décadas que, nas crises, você precisa de mais coordenação. No caso da educação no Brasil, ocorreu o contrário disso. O MEC saiu de cena.
Há motivo para otimismo em relação a uma mudança desse cenário?
Não tenho bola de cristal. Mas não há nenhum sinal de o MEC caminhar nessa direção. O cenário não é otimista. Eu espero que caia a ficha e que o ministério se recomponha rapidamente. Mas, até agora, passados oito meses de crise, o MEC segue distante de ocupar esse papel tão necessário.