Presidente não nega ter compartilhado gravação por WhatsApp e diz que mensagens no aplicativo são de ‘cunho pessoal’
O presidente Jair Bolsonaro chamou de “tentativas rasteiras de tumultuar a República” as interpretações sobre ele ter compartilhado um vídeo em apoio a atos contra o Congresso em 15 de março.
Ele escreveu em rede social e não negou ter enviado a amigos por WhatsApp um vídeo que convoca a população a ir às ruas. Afirmou usar esse aplicativo para trocar mensagens de “cunho pessoal”.
“Qualquer ilação fora desse contexto são tentativas rasteiras de tumultuar a República”, completou o presidente em publicação nas redes sociais nesta quarta-feira (26).
‘Nós não podemos aceitar esses caras chantageando a gente. Foda-se’. General Heleno ministro-chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), na manhã de terça (17), em fala que não sabia que estava sendo gravada, sobre o que qualifica de chantagens do Legislativo para avançar sobre o dinheiro do Executivo Pedro Ladeira – 28.nov.2019/Folhapress
Na breve mensagem, a primeira manifestação de Bolsonaro sobre o caso, não há qualquer menção ao conteúdo do vídeo.
O post nas redes sociais foi feito horas antes de o presidente embarcar do Guarujá, onde passou o feriado de Carnaval, para Brasília. Ele ocorre também depois de reações de repúdio ao vídeo de representantes de outros Poderes, da sociedade civil e de ex-presidentes da República.
Líderes políticos como os ex-presidentes Lula e Fernando Henrique Cardoso e o presidente da OAB manifestaram repúdio na noite de terça-feira (25) à iniciativa de Bolsonaro de compartilhar vídeos que convocam manifestações para o próximo dia 15 a seu favor e contra o Congresso.
O decano do STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Celso de Mello, afirmou nesta quarta que a conclamação de Bolsonaro para ato contra a corte e o Congresso, “se confirmada”, revela “a face sombria de um presidente da República que desconhece o valor da ordem constitucional, que ignora o sentido fundamental da separação de Poderes, que demonstra uma visão indigna de quem não está à altura do altíssimo cargo que exerce e cujo ato de inequívoca hostilidade aos demais Poderes da República traduz gesto de ominoso desapreço e de inaceitável degradação do princípio democrático!!!”.
Em texto enviado à Folha por escrito, Celso de Mello afirma ainda: “O presidente da República, qualquer que ele seja, embora possa muito, não pode tudo, pois lhe é vedado, sob pena de incidir em crime de responsabilidade, transgredir a supremacia político-jurídica da Constituição e das leis da República”.
A manifestação marcada para o próximo dia 15 é uma reação à fala do ministro-chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), general Augusto Heleno, que chamou o Congresso de “chantagista” na semana passada.
Bolsonaro encaminhou a amigos vídeos que convocam a população a ir às ruas para defendê-lo.
A informação foi confirmada à Folha pelo ex-deputado federal Alberto Fraga, amigo do presidente. Outro vídeo, diferente do recebido por Fraga, mas exaltando a manifestação do dia 15, também foi compartilhado por Bolsonaro, como revelou o jornal O Estado de S. Paulo.
A atriz Regina Duarte, escolhida neste ano por Bolsonaro para a Secretaria Especial da Cultura do governo, também compartilhou em rede social texto de apoio ao ato. “15 de março. Gen Heleno/Cap Bolsonaro. O Brasil é nosso, não dos políticos de sempre”, diz a mensagem.
O presidente nacional da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Felipe Santa Cruz, disse que o ato de Bolsonaro, se confirmado, pode abrir caminho para pedido de impeachment.
“Entendo que é inadmissível, o presidente está mais uma vez traindo o que jurou ao Congresso em sua posse, quando jurou defender a Constituição Federal. A Constituição e a democracia não podem tolerar um presidente que conspira por sua supressão”, afirmou Santa Cruz.
Segundo ele, a convocação pode se enquadrar no artigo 85 da Constituição, que diz que “são crimes de responsabilidade os atos do presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra: […] o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação”.
A fala de Heleno que inspirou a convocação das manifestações foi no último dia 18. Em um áudio captado durante uma transmissão em rede social, o ministro foi flagrado dizendo que o presidente não poderia aceitar que o Legislativo queira avançar sobre o dinheiro do Executivo.
“Não podemos aceitar esses caras chantageando a gente. Foda-se”, disse aos ministros Paulo Guedes (Economia) e general Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo).
Em publicação em rede social, Lula chamou o episódio de Bolsonaro de “mais um gesto autoritário de quem agride a liberdade e os direitos todos os dias”.
“É urgente que o Congresso Nacional, as instituições e a sociedade se posicionem diante de mais esse ataque para defender a democracia.”
Fernando Henrique Cardoso, também em rede social, disse: “A ser verdade, como parece, que o próprio Pr tuitou [na verdade, enviou a amigos por WhatsApp] convocando uma manifestação contra o Congresso (a democracia) estamos com uma crise institucional de consequências gravíssimas. Calar seria concordar. Melhor gritar enquanto de tem voz, mesmo no Carnaval, com poucos ouvindo.”