Folha de S. Paulo: Ex-policial Derek Chauvin é condenado pela morte de George Floyd

Agente sufocou Floyd com o joelho por quase 9 minutos; caso gerou onda de protestos contra o racismo.
Foto: Departamento de Correção de Minnesota/Reuters
Foto: Departamento de Correção de Minnesota/Reuters

Agente sufocou Floyd com o joelho por quase 9 minutos; caso gerou onda de protestos contra o racismo

Rafael Balago e Lucas Alonso, Folha de S. Paulo

morte de George Floyd, que gerou forte comoção nos Estados Unidos e deu impulso a uma onda global de combate ao racismo, teve a sua primeira sentença judicial nesta terça (20). O ex-policial Derek Chauvin foi considerado culpado pelo assassinato e condenado em três categorias de homicídio.

A duração da pena será anunciada em até oito semanas. Chauvin, 45, pode pegar até 40 anos de prisão. Como ele é réu primário, uma condenação do tipo geralmente levaria a 12 anos e meio de detenção, mas os promotores podem pedir a ampliação da condenação, com base em agravantes.

O ex-policial foi preso no ano passado, porém deixou a cadeia após pagar fiança de US$ 1 milhão. A decisão desta terça determinou que ele fosse detido novamente, e Chauvin deixou o tribunal algemado. Ele ainda pode recorrer da decisão.

Pela morte de Floyd, Chauvin foi condenado em três diferentes categorias: homicídio em segundo grau (quando o homicídio não é intencional, mas o réu mata alguém enquanto comete intencionalmente outro crime), homicídio em terceiro grau (quando o réu mata alguém ao tomar uma atitude perigosa sem levar em consideração o risco à vida humana) e homicídio culposo em segundo grau (quando o réu assume o risco de matar alguém ao tomar uma atitude imprudente).

A sentença foi dada por um grupo de 12 jurados, depois de um julgamento que levou três semanas. O grupo estava reunido para elaborar o veredicto desde segunda-feira (19) e permaneceu isolado, debatendo a portas fechadas, sob um rígido esquema de segurança.

Os jurados não foram identificados publicamente, e a Justiça deve proteger suas identidades por tempo indeterminado. O que se sabe a partir dos autos é que o grupo é composto por quatro mulheres brancas, dois homens brancos, três homens negros, uma mulher negra e duas mulheres que se identificam como multirraciais.

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As audiências começaram em 29 de março, e foram ouvidas 45 testemunhas, entre policiais, especialistas médicos e transeuntes que presenciaram a abordagem de George Floyd.https://s.dynad.net/stack/928W5r5IndTfocT3VdUV-AB8UVlc0JbnGWyFZsei5gU.html[ x ]

Ao apresentar seu caso ao longo de mais de duas semanas, os promotores reuniram testemunhas emocionadas, policiais que afirmaram que as ações de Chauvin violaram as políticas do departamento e especialistas médicos que disseram ao tribunal que Floyd, 46, morreu de asfixia.

Chauvin se declarou inocente de todas as acusações e renunciou ao seu direito de testemunhar perante os jurados. O principal advogado de defesa, Eric Nelson, reiterou na segunda que ele havia se comportado como qualquer “policial razoável”, argumentando que ele seguiu seu treinamento de 19 anos na força.

Um dos principais pontos levantados pela defesa foi de que Floyd teria usado drogas antes da ação e que isso teria levado à sua morte. Foram encontrados traços de metanfetamina e de fentanil (um tipo de opióide) no corpo de Floyd, e a namorada dele confirmou que o casal era usuário de drogas. Médicos convocados pela acusação, porém, disseram que não há indícios de que Floyd tenha tido uma overdose. Segundo um deles, o homem não seria capaz de falar com os policiais e provavelmente estaria inconsciente se estivesse nessa situação.

Durante os dias de deliberação, os jurados foram mantidos em uma espécie de “fortaleza”, uma torre cercada por barricadas e por arame farpado e vigiada o tempo todo por homens da Guarda Nacional.

Nesta terça, ativistas se reuniram perto do tribunal e também no local onde Floyd foi morto. Eles comemoraram a decisão com gritos de “Justiça” e “Vidas Negras Importam”.

“Hoje foi um grande dia para o mundo. Para mim, [a decisão] significa que meus amigos e outras pessoas que também perderam entes queridos agora têm uma chance de terem seus casos reabertos”, disse Courteney Ross, que era namorada de Floyd, na porta do tribunal, para a CNN.

Em nota divulgada por seu advogado, a família de Floyd disse que a decisão terá efeitos em todo o país e em outras partes do mundo. “Justiça para a América negra é justiça para a América inteira. Esse caso é um ponto de virada na história americana de responsabilização das forças de segurança e envia uma mensagem clara, que esperamos que seja ouvida em todas as cidades.”

O presidente Joe Biden telefonou para a família de Floyd e disse estar “muito aliviado” com o resultado, segundo a AFP. Biden acompanhou o anúncio da decisão na Casa Branca e deve se pronunciar sobre o tema ainda nesta noite.https://player.mais.uol.com.br/?mediaId=16917695&onDemand=true

Em março, a família de Floyd fez um acordo com a cidade de Minneapolis para receber US$ 27 milhões como indenização pela morte do ex-segurança.

Entidades que lutam pelos direitos dos negros celebraram a decisão, mas apontam que ainda há muito a se fazer para evitar que mortes como a de Floyd se repitam. “O capítulo sobre Derek Chauvin pode ser fechado, mas a luta por responsabilização da polícia e respeito pelas vidas negras está longe de acabar”, disse a Naacp (Associação Nacional pelo Avanço das Pessoas de Cor), em nota.

O governador de Minessota, o democrata Tim Walz, disse que a busca por Justiça para Floyd não termina hoje, e que ela só virá com mudanças reais que previnam casos como o dele.

“Esperamos que o veredicto comece a mostrar que a supremacia branca não vencerá. Mas isso não trará nossos entes amados de volta. Não teremos George Floyd de volta. Sua filha terá de crescer sem ele”, disse a Black Lives Matter Global Network Foundation, em comunicado.

A decisão da Justiça foi anunciada menos de 11 meses após a morte de Floyd. Em 25 de maio de 2020, a polícia foi acionada depois que ele usou uma nota falsa de 20 dólares em uma loja de conveniência em Minneapolis —no julgamento, o atendente da loja diria que Floyd parecia não saber que a cédula não era verdadeira.

O vendedor pediu o produto de volta, “mas ele não queria e estava sentado sobre o carro porque estava terrivelmente bêbado e não se controlava”, disse o lojista, segundo transcrição do telefonema à polícia.

Os documentos de acusação dizem que os policiais encontraram Floyd em um carro azul estacionado, com dois passageiros. Logo chegaram unidades da polícia, e os policiais tentaram colocar Floyd em uma viatura, mas ele resistiu.

Durante a abordagem policial, ele teve o pescoço prensado no chão por Chauvin, por 8 minutos e 46 segundos, e o vídeo que registrou o momento viralizou nas redes sociais. Chauvin ignorou não só os avisos de Floyd de que não estava conseguindo respirar, como os apelos das testemunhas, que apontavam uso excessivo de força.https://player.mais.uol.com.br/?mediaId=16797063&onDemand=true

Floyd foi socorrido e morreu uma hora depois da abordagem, segundo os dados oficiais.

Os quatro policiais foram demitidos assim que o caso veio à tona. Os outros três policiais envolvidos na abordagem, Thomas Lane, J. Alexander Kueng e Tou Thao, foram indiciados como cúmplices de homicídio e aguardam julgamento.

Segundo a agência de notícias Associated Press, ao longo de 19 anos de carreira, Chauvin foi alvo de quase 20 queixas formais e duas cartas de reprimenda. A maioria foi arquivada.

A morte do ex-segurança gerou uma onda de protestos que se espalhou por dezenas de cidades dos EUA e outras partes do mundo. Floyd foi lembrado em atos na África, na Ásia, na Europa e também no Brasil. O caso virou um símbolo do movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam).

Durante a primeira semana de manifestações, foram registrados incêndios em carros e prédios, saques e conflitos com policiais de costa a costa nos EUA. O mesmo ocorreu em cidade europeias.

Nos últimos dias, com medo de novos confrontos nas ruas após a divulgação do resultado do julgamento, muitas empresas de Minneapolis suspenderam atividades e usaram tábuas para fechar as janelas, enquanto as escolas optaram por aulas remotas.

Apesar de o julgamento de Chauvin avaliar a culpa de apenas um homem, ele é simbólico para os EUA que têm um histórico de assassinatos de jovens negros por policiais. A condenação pode trazer um certo alívio e uma sensação de acerto de contas após a onda de protestos liderados pelo movimento Black Lives Matter que circularam o mundo todo, nos quais a imagem de Floyd tornou-se símbolo da luta antirracista e contra a violência policial no EUA.

Só neste mês de abril, houve mais duas vítimas. Adam Toledo, 13, foi morto em Chicago, baleado por um policial mesmo após levantar as mãos, e Daunte Wright, 20, foi morto a tiros em Minnesota (a menos de 20 km da cena da morte de Floyd), em uma abordagem de trânsito.

Em março, a Câmara dos Representantes dos EUA aprovou um projeto de lei que proíbe táticas policiais controversas e facilita o caminho para ações judiciais contra agentes que violarem direitos de suspeitos. A medida foi apelidada de “Lei George Floyd de Justiça no Policiamento”. Em junho do ano passado, os deputados aprovaram medida semelhante com votação mais expressiva —236 a 181—, mas o texto foi barrado pelo Senado, que tinha maioria republicana.

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